segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O MORTO


Há poucos anos tive a oportunidade de conhecer a cidade mais bela do Brasil. Ah, o Rio de Janeiro e todas suas belezas naturais. Mas, foi lá onde passei umas das situações mais embaraçosas da vida.

Estava a conhecer a Praia Vermelha. De prestígio bem menor do que a inexpugnável Copacabana. Uma praia de pequena extensão, limitada por dois grandes morros em suas extremidades (Urca e Babilônia). O meio de semana e o dia nublado talvez espantasse o público da praia. Havia pouquíssima gente. Alguns caminhando em um pequeno calçadão e uma turma de seis ou sete jovens jogando voleibol descontraidamente nas areias. Tudo parecia naturalmente estável até que um fato me chamou bastante atenção. Sobre o pequeno calçadão daquela praia havia um homem deitado cabulosamente. Envolto de um pano preto que lhe cobria dos joelhos até as sobrancelhas, deixando-se mostrar sua testa enrugada, o que transparecia seus quarenta e poucos anos. Um homem deitado, imóvel, insólito bem no meio de um calçadão de uma praia paradisíaca. A estranheza daquela cena não despertou em mim outra dúvida senão: “Será este um homem morto?” Perguntei reciprocamente sem emitir som e me aproximei daquele corpo estendido. Meu primo que me acompanhava na então viagem turística, fazendo jus a idade mais velha, alertou-me com espírito de proteção: “Se afasta, vai que ele acorda e te ver ai perturbando-o, pode ser perigoso”. Afastei-me e a dúvida só aumentou. Passei, atônito, alguns minutos observando o homem e pensando: “Não é possível, deve estar dormindo, ou será morto? Não tem como ser um morto no meio de uma praia do Rio de Janeiro, um corpo sem vida ficar aqui assim, ao léu. E toda essa gente jogando vôlei, caminhando e passando ao lado dele, não percebeu? Morreu de que? Fome? Sede? Uma bala perdida rasgou seu peito? Morte “morrida” ou morte “matada”?” Tive um momento de lucidez: “Onde estou com a cabeça? Não tem a menor condição desse homem ser morto. Melhor sair de perto, se não ele acorda e pode ser realmente perigoso, afinal o Rio de Janeiro sabidamente é muito violento".

Alguns dias depois, já no conforto de minha cidade natal assisto o tele jornal mais visto da emissora mais famosa do Brasil e surpreendentemente vem a notícia. As imagens da praia e do homem sobre o chão envolto do pano preto que agora passavam na televisão ainda eram muito frescas em minha cabeça. Perplexo, acompanhei num misto de surpresa e ansiedade a notícia dada por uma, sempre, libidinosa jornalista da Rede Globo:

“Descaso! Homem morto passou dois dias envolto de um pano preto em plena Praia Vermelha no Rio de Janeiro, sem ser retirado pelos órgãos públicos competentes e numa impressionante indiferença alheia. Onde está o comportamento humano para com o próximo? Por onde anda o respeito aos direitos huma....”

Minha cabeça se desprendeu da notícia anunciada na televisão e eu só pensava em uma coisa: “Pasme, aquele realmente era um homem morto”.


Foto: Michel Filho


Moisés Couto

sábado, 3 de dezembro de 2011

PORTUGUESES ESPERTOS


Nunca concordei com esse comportamento, por parte de nós brasileiros, de ofender os portugueses de “burros”. Sinceramente, nunca os vi fazendo asneiras. No máximo, as mesmas estupidezes que todo país compartilha. Um período de crise, um chefe de estado mal eleito, um escândalo de repercussão mundial, enfim. Já ouvi anedotas surreais a respeito dos portugueses, de atitudes ignorantes inaceitáveis que nem o mais palerma da terra poderia cometer. Eu na pele deles ficaria bem tempestuoso. Mas, pensado bem, enquanto chamamo-los de “burros” eles nem se incomodam, imagino que matutam para si a história de quinhentos anos atrás que, na verdade, fazem deles os legítimos zombadores e de nós os verdadeiros zombados.

O país deles invadiu o nosso, mudou toda a nossa cultura e crença da época, fez toda população trabalhar para encher os bolsos de seus mandatários e ainda tiveram conjunção carnal com nossas esposas na nossa frente, que distraídos, nem reclamávamos, pelo contrário, ficávamos pacatos admirando-nos de fronte a um espelho manchado de imundície europeia que contaminou toda a nossa pureza indígena. Chamá-los de "burro" me parece uma forma de atingir de alguma forma quem nos fez mal, porém sem sucesso, assim como crianças birrentas que tentam atingir o chacoteador mais velho, ou mulheres abandonadas que passa em frente ao antigo caso acompanhada de um amigo gay tentando fazer ciúme a quem não te ama mais - impossível.

Deixemos os xingamentos de “burros” de lado, vamos baixar nossas cabeças e fingir que não conhecemos essa gente cruel e selvagem que estuprou nossas tataratataratataratataravós.  

Moisés CouTo  

domingo, 30 de outubro de 2011

FRASE

O corpo humano é tão perfeito e complexo que os ditos "normais" eram para ser aqueles que possuíssem um terço de sua fisiologia completa.


Moisés CouTo



sexta-feira, 21 de outubro de 2011

FIM DO MUNDO – FALHA

Era chegado o dia mais esperado do ano de 2012. O dia em que os cálculos ininteligíveis cravavam o fim da espécie humana. O mundo estava em caos, esperando pelo pior. Ao amanhecer tudo parecia tranquilo, a temperatura estava normal, até um pouco mais fresca. Mas a população ignorava as condições ambientais e só pensava no pior. Os bilionários do planeta já estavam indo para à lua. Como iam viver lá? Eu também não sei. Mas iam com a esperança de vida em seus corações aflitos. As avenidas de todas as cidades do mundo estavam iguais. Pareciam grandes formigueiros, a população no meio da rua, tribulação aflorada. Todos só pensavam em sentir o último prazer de suas vidas, por isso, as pessoas começaram a fazer tudo o que tinham vontade, e então, supermercados foram saqueados, lojas depredadas. Mortes e abraços caminham juntos nas ruas engarrafadas por astros imóveis. Houveram-se até estupros e relações homossexuais à luz do dia. Um funcionário de uma multinacional qualquer, cansado de trabalho escravo resolveu se vingar, depois de beijar uma linda mulher ainda saiu gritando: “Diz pro seu marido enfiar a empresa dele no **”. Uns aplaudiam outros choraram, outros nem ligaram. Enquanto isso as polícias militar e civil digladiavam entre si, exibindo suas armas, mas disparando apenas insultos. As igrejas estavam lotadas de seus fiéis corriqueiros e de visitas esperançosas por salvação, os arrependidos dos 45 minutos do segundo tempo. Velhos insanos gritavam em praça pública jargões que ninguém ouvia. Coisa do tipo: “Eu sabia que era hoje!” – acho que era isso, também não prestei atenção. No Senado a situação brigava com a oposição e vice-versa. Os humoristas aproveitavam o fim do mundo para fazer piadinhas do desespero dos outros sem temer processos judiciais subsequentes. Os artistas preferiram viajar para o primeiro mundo, afnal, fim dos tempos ao lado do relógio Big-Ben, Torre Eiffel, ou Estátua da Liberdade seria elegante, mais semelhante com os filmes de Hollywood. Os viciados da cracolândia fizeram o de sempre, consumiram toda a droga possível, como se fosse o último dia de suas vidas. Nos hospitais públicos, não havia mais pacientes, todos queriam morrer em casa longe daquele inferno pré-morte. E assim, cada tribo fazia o que sempre almejou.

Contudo, o dia passou e o mundo não acabou.  E no dia seguinte todos foram trabalhar com a vergonha que lhes forçavam o cabisbaixismo, ninguém tinha coragem de olhar nos olhos do outro. E o funcionário da multinacional, pai de família da classe média baixa com três filhos pra criar, ainda foi chamado na sala do presidente da empresa e pensou: “É o fim do mundo!”.

Moisés CouTo

segunda-feira, 13 de junho de 2011

MÉNAGE À TROIS

- Calma, Clidenor.

Falou o espião de casais.

- Calma uma pinoia!! Não é você quem tem uma mulher safada que lhe emprega um par de chifres no meio da testa.

- Acontece.

- Quem é o homem com quem a vagabunda anda saindo?

- Ainda não sei, só vi sua mulher no banco de passageiros de um carro. Não deu pra ver, nem tirar foto de quem guiava.

Clidenor, desapontado, lançou um olhar vazio para baixo e soltou uma rajada de ar. O espião tentou lhe reanimar:

- Mas se você quiser, tiro algumas fotos do homem e lhe trago amanhã.

- Não – Clidenor ergueu-se da cadeira – eu vou com você! Quero ver a cara do cretino junto com a vagabunda.

O espião aceitou.

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A noite, já em casa, Clidenor teve que se segurar para não espancar a mulher até a morte como desejava. Sua mulher era linda, no auge dos vinte e cinco anos, além de cabelos pretos longos e uma coxa hipertrofiada, possuía também, um semblante cínico de quem nada de errado tinha feito horas antes. Clidenor ainda pensou em usar seu revólver, herdado do pai, pela primeira vez contra a mulher, mas o desejo de conhecer quem era o “Ricardão” o consumia. “Será algum conhecido? Amigo?” pensava.

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No outro dia, na hora marcada o espião – o qual me nego a dizer o nome a pedido do mesmo – levou Clidenor ao local, ficaram atrás de uma construção abandonada perto do motel. O espião explicava:

- Todos os dias por volta de 16:30 ela chega no carro. Olha – apontou o espião interrompendo a própria fala – aquele é o carro, ela vem chegando.

Clidenor misturava aflição e curiosidade. Parecia sentir uma faca apunhalando-o pelas costas. Quando o carro parou na porta do motel, Clidenor não se segurou, se levantou e correu e em direção ao carro com o revólver em punho.

Porém, para a surpresa do espião que olhava atento de longe, Clidenor ao chegar no carro e olhar por alguns rápidos segundos para dentro dele, ergueu a cabeça, olhou para o espião, abriu um sorriso e gritou de felicidade:

- É outra mulher!! Minha esposa me trai com outra mulher!

A mulher que guiava o carro era mais bonita que a esposa de Clidenor, cabelos loiros longos, mamas fartas, olhar de uma sensualidade irresistível.

Agora Clidenor estava aliviado. Não era um “Ricardão”, era apenas uma mulher que sua esposa mantinha relações lesbianas. Clidenor até propôs uma “Dança do Maxixe”* com a esposa e sua companheira, mas não foi compreendido.

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Depois disso, Clidenor nem ligava mais, dispensou o espião e permitia que a mulher mantivesse relações com a outra. Insistia em pedir para ir junto, mas ela nunca deixava e Clidenor só ardia de desejo toda madrugada, sonhando em participar daquele “ménage à trois”.  A esposa de Clidenor continuou a sair com a mulher sensual que a levava para o motel em seu próprio carro e o Ricardão que ia de moto e esperava sempre já dentro do quarto do motel a chegada de suas duas amantes. 

Moisés CouTo

terça-feira, 31 de maio de 2011

O CACHORRO E A MACONHA

- Filho vem cá. Precisamos conversar.

- Sobre o quê?

- Sobre isso.

O pai abre a mão e mostra cinco gramas de maconha amassada já molhada do suor que  transpirara pela palma da mão de nervoso quando viu aquilo dentro do guarda-roupa do filho.

- O que é isso, pai?

- Você sabe muito bem o que é isso, seu maconheiro!

- Isso não é meu, pai!

- Se não é seu, é de quem? Só moramos eu e você nessa casa, isso estava dentro do seu guarda-roupa, só pode ser seu.

- É do cachorro, pai.

- QUÊ?! Quer me fazer de otário, moleque?

- É verdade, pai. O Ralf fuma maconha.

- Você enlouqueceu de vez?

- Estou falando sério!

- Você precisa é de uma lição seu filho da p...

O cachorro adentra a sala da casa com um cigarro de maconha aceso na boca. O pai estupefato, só tem palavras para pedir desculpas ao filho. Depois de alguns minutos de silêncio, ele fala:

- A televisão precisa saber disso.

- Ninguém iria acreditar.


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O pai vai para a cozinha, abre um whisky e tenta acreditar no que acabara de ver. O jovem, aproveitando que está sozinho com o cachorro na sala, retira o cigarro da boca do  animal desamarrando um cordão que ficara escondido debaixo das orelhas de Ralf, desfigurando toda aquela situação inimaginável que ele criara para se livrar do flagrante. Com o pai ainda absorto com a estória, o jovem vai para o quarto e aproveita para usufruir da grande quantidade de maconha que tem e acende vários baseados seguidos. Duas horas e meia depois de muita alucinação, Ralf entra no seu quarto. O jovem, de olhos vermelhos, ri e resolve dá um afago de agradecimento ao bicho de estimação. Mas o cachorro o evita, olha nos seus olhos e fala:

- Vou contar tudo pro seu pai!

O jovem ficou atônito e o efeito da droga passou rapidamente.


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Depois daquele dia o jovem só pensava na promessa que o cachorro garantiu cumprir, olhava para o cachorro com receio, evitava seus olhos, sempre tentava estar por perto quando o pai estava sozinho com o cão, queria saber se realmente Ralf iria contar algo. O cachorro passava perto do jovem, parecia querer intimidar, e ele fazia de tudo para que o cão não se estressasse, colocava refeições fartas, passeio diário e fêmeas no cio sempre que Ralf começava a confundir perna com cadela. Chegou a oferecer sua cama para o animal dormir. Depois de tudo isso, o jovem nunca mais fumou e o cachorro nunca mais falou.

Moisés CouTo


segunda-feira, 2 de maio de 2011

TRONO

Meu nome é Dom Jaime III. O lugar que mais gosto é onde estou agora, meu trono! Só aqui sinto quem, verdadeiramente, sou: um rei. É desse trono que mando aumentar a colheita dos meus campos, diminuir a pesca de lagosta dos meus lagos para que elas possam se reproduzir. É do meu trono que mando vir os pretendentes da minha linda filha princesa. É daqui do meu trono que absolvo os que merecem e condeno os malfeitores que insistem em promover a desordem de meu reino. Henrique, ex Dom Henrique, sofreu em minhas mãos, além de ser enforcado foi apedrejado em praça pública, quem mandou desobedecer minhas ordens? Só no meu trono consigo sentir a realeza na qual gozo minha vida. Deleitosa sensação de alívio quando do meu trono vejo todo o meu reino funcionar sincronizadamente. Meu manto é tão leve que me dá a sensação de estar nu. Sublime sensação de conforto que só meu trono oferece. Porém, infelizmente chegou a hora. A hora que me levanto, dou descarga, saio, e toda a minha fantasia real vai embora junto com meus excrementos, água abaixo, como se eu não precisasse dela. Fora de meu trono sou apenas Jaime, e trabalho em uma multinacional...

- Jaime!

- Oi, senhor!

- O que você está escrevendo ai?

- Nada, são apenas reflexões que acabei de...

- Você não acha pouco ficar meia-hora no banheiro e depois não trabalhar porque está escrevendo reflexões?!

- É porque são para o meu livro, se não escrever agora acabo esquecendo.

- Você está maluco? Isso aqui é uma empresa e não um antro de vagabundagem!

- Sim, senhor!

- Deixe-me ler um pouco disso ai.

- Melhor não, senhor. Não vai querer perder seu tempo com bobagens.

- Ainda estou desfrutando dos meus três minutos de pausa para o café. Ainda há tempo.

- Não vai gostar de ler, são apenas imaginações surreais.

- Então trate de parar com imaginações imbecis e volte ao trabalho, Jaime!

- Sim, senhor Henrique.
Moisés CouTo

segunda-feira, 25 de abril de 2011

UM POUCO DE ATENÇÃO

Domingo 15h30min. A mulher de Epaminondas chega da rua, invade a sala e consegue desviar a atenção do marido da televisão:

- Amor, o que achou? – Matilde da uma viradinha e espera o comentário do marido.

Epaminondas foi pego de surpresa, se concentra, agora o copo de cerveja na mão tem que esperar. Ele observa a mulher dos pés à cabeça, mas não consegue identificar o que há de diferente.

- Você está usando óculos agora?

- Faz seis meses que eu uso óculos, seu grosso! Eu sabia que você não ia reparar meu “cabelo novo”.

- Eu ia falar isso agora.

- Você não me ama mais. Não repara nada em mim! Não me dá a mínima atenção!

- Claro que eu reparei, amor.

- Mentira!

- Como não reparar nesse cabelo castanho que amo!

- Não é castanho, seu ignóbil! Eu pintei de acaju neutro com mexas ruivo leve inteligente. Está vendo? Você não está nem ai pra mim!

- Mas amor, você agora está linda! É o que importa!

- Ah é? Quer dizer que antes eu não era?

- Não, era linda!

- Eu não era linda? Grosso!

- Não!!! Eu coloquei a vírgula. Não, vírgula, você era linda. Esse “não” foi pra negar o que eu tinha dito antes, entendeu?

- Claro que eu entendi. Você além de não me reparar de não me dá atenção ainda não me achava linda!

- Antes você era a mais linda do mundo, meu amor.

- Tá vendo? Antes! Antes é passado, quer dizer que meu cabelo novo está horrível, você preferia o antigo!

- Não é assim!

- Você ainda afirma, cachorro!

- Não! Eu falei sem vírgula! Não, sem vírgula, é assim! NÃO É ASSIM!

- Nosso casamento está indo por agua abaixo porque você não me dá mais atenção, não  repara nada em mim.

- Isso não é verdade Matilde, vem cá me dá um abraço!

Epaminondas coloca o copo de cerveja no banquinho ao lado dos enroladinhos de queijo, se levanta, abre os braços com a esperança de que um abraço acabe com toda aquela discussão, Matilde vira-se vai e para a cozinha com a esperança que ele venha atrás dela para bajular um pouco e acabe com aquela sua sensação de desamor. Porém, a vinheta da televisão toca, são 16h00 vai começar o futebol. Epaminondas senta novamente em sua poltrona e encerra a discussão:

- Aproveita que você está ai e trás uma cerveja, porque essa aqui esquentou!

Moisés CouTo 

terça-feira, 12 de abril de 2011

CARAMELO UM, DOIS, TRÊS

O Zé Irinaldo era um homem de conversas mirabolantes. Histórias loucas saiam de sua boca e ninguém acreditava. Já contara que foi pesquisador de nanotecnologia, chefe de estado na Mongolia, jardineiro da princesa Diana, etc. Mas sua última história com certeza foi a que mais me intrigou. O Zé contou que esteve na Guiana Francesa e visitou a tribo dos Namandauê. Era uma tribo composta de homens de cor parda com cara de índio. Na reunião depois de sacrificar mais um bagre, como de costume, deram inicio a pauta do dia. O mestre dos Namandauê, o patriarca Chinlê Abaulêh, disse que teve mais um sonho que viria a se tornar real. Depois de sonhar com o 11 de setembro, e com as tsunamis o Chinlê Abaulêh sonhara como seria o fim do mundo. Todos estavam atentos na história o Zé Irinaldo que, de repente, calou-se. Acendeu um cigarro e disse que era sigilo o que soube naquela reunião na Guiana Francesa. Quando a turma curiosa insistiu, o Zé apenas destacou que quando perguntassem a qualquer um de nós qual era a senha, deveríamos responder sem titubear: “Caramelo um, dois três”. A turma toda caiu em gargalhada, o Almeidão teve até falta de ar e foi preciso chamar a SAMU. Depois desse dia o Zé Irinaldo se tornou mais sorumbático, não nos contava mais histórias, mas ele não parecia sem inspiração. Certa vez, quando perguntado por que acabara com as histórias, nos contou que o patriarca Chinlê Abaulêh foi até sua casa e ordenou que ele parasse de contar ensinamentos aos jovens. E todos, mais uma vez, zombaram da cara do Zé Irinaldo, eu também não resisti e fiz o mesmo. Mas na hora de dormir, toda aquela história de fim do mundo e senha não saía da minha cabeça. Até que adormeci e sonhei que estava nos Andes peruanos, só eu e o Chinlê Abaulêh sentados no cume de uma montanha, com vários condores sobrevoando nossas cabeças. No sonho o patriarca Abaulêh me alertara com voz mansa a senha que era pra ser dita quando os inimigos chegassem: “Caramelho uno, dós, três! Tienes que decir para los enemigos”. O sotaque portenho só aumentou o clima tenso daquela visão. Acordei assustado, apreensivo. Na manhã seguinte estava com a senha na ponta da língua para caso os inimigos me perguntassem. Enquanto caminhava no centro da cidade, um homem de barba branca que de tão enorme ia até o umbigo estava pedindo esmola, quando me aproximei ele me olhou estranho, sua sobrancelha tentava inutilmente esconder seus olhos azuis e com uma voz rouca ele perguntou:

- Qual a senha?

- Caramelo um, dois, três!! – gritei.

Todos no centro da cidade pararam e olharam em minha direção com sorrisos marotos em seus rostos, inclusive o mendigo. Até que uma mulher magra de cabelo cacheado se aproximou e disse:

- Calma, filho. O guerreiro Zé Irinaldo eliminou todos os inimigos, o mundo não vai mais acabar  estamos sãos e salvos. Essa senha já pode ser esquecida, agora o mundo está em paz graças ao grande guerreiro Zé.

Depois que a mulher se calou, o mendigo - que estava só tirando onda com minha cara -  puxou o grito:

 - Viva o guerreiro Zé Irinaldo, que nos salvou a vida!!

E todos responderam em um só coro:

- Viva!

A única coisa que vinha na minha cabeça era: “A turma não vai acreditar nisso”. 

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Esta é uma história real. Exceto a parte de chamar a SAMU pra socorrer o Almeidão, na realidade foi apenas uma dispneia passageira.

Moisés CouTo

sexta-feira, 1 de abril de 2011

DESTINO DE ESPERMATOZÓIDE

O murmurinho era grande, todos aqueles milhares de espermatozoides não viam a hora de correr para a fecundação. A ansiedade era imensa dentro de suas microscópicas cabeças. As conversas enquanto esperavam o dia “D” não podiam ser outras: O próprio dia da fecundação, dúvidas, ansiedade e possíveis histórias vividas por outros espermatozoides eram os assuntos mais frequentes.  

- Eu só sei que é uma corrida. Quem chegar primeiro, vive!

- E se der empate?

- Me parece que mais de um entra, foi a X876 que me contou, mas não sei se é verdade.

No meio da conversa a temperatura escrotal aumenta, é o sinal, chegou a hora em que todos aqueles milhares esperavam. De repente uma força maior os empurra para fora de seu habitat, sentiram uma sensação de liberdade inédita, mas não era hora de gozar – sem trocadilho – aquele momento, era a hora de trabalhar, de correr para a vida, de buscar o seu lugar ao sol, digo, ao óvulo. Depois de alguns segundos, Y09 e Y746 se encontraram em um local insólito, era tudo muito escuro, as paredes meio avermelhadas, a cena ao redor era aterrorizante muito de seus amigos pelo caminho, alguns com partes arrancadas, mas eles só pensavam na missão em que foram destinados. O local oco multiplicavam suas vozes num eco aterrorizante, o líquido onde estavam mergulhados parecia queimar seus frágeis corpos, não viam nada parecido com óvulo apenas dejetos alimentares, não entendiam a situação. Antes de se desesperarem avistaram chegando uma célula de roupa camuflada em cima de um microscópico cavalo branco. Em sua farda estava bordado seu nome com tinta preta: “Sgtº. Anticorpo 02”. A célula de defesa observou rapidamente aqueles dois espermatozóides assustados, pegou seu rádio e comunicou aos outros:

- Missão cancelada, não precisa mandar mais ninguém. São apenas dois espermatozoides... Pois é, mais uma vez, fazer o quê, né? Câmbio.

Y09 indagou-lhe:

Onde estamos, onde está o óvulo, quem é você?

- Calma filho, infelizmente está complicado de você achar o óvulo por aqui, esse é o estômago da mulher a quem eu sirvo.

Y09 chorou amargamente, o homem de onde ele veio fez o que todos os espermatozóides consideravam grande desfeita, pois não os aproveitaram para a fecundação. Y746 parecia está mais conformado com aquele triste fim, tentando confortar o amigo, disse:

- Tudo bem, pelo menos estamos dentro de uma mulher. Ouvi dizer que alguns espermatozoides além de não serem aproveitados para a fecundação foram para um local estranho sem nenhuma mulher por perto.

Y09 ainda não se conformara com a desfeita, Y746 ainda proferiu as últimas palavras em defesa do homem:

- Não se lembra da história do Y120? Outros espermatozoides foram parar num local gosmento de odor fétido e cheio de excrementos fecais, tão nojento que morreram sem nem saber onde estavam.

Agora sim, o espermatozóide Y09 deu seu último suspiro e morreu - ou não nasceu - aliviado.



Moisés CouTo

segunda-feira, 21 de março de 2011

MULHER CRITERIOSA

Depois de um tempo soltando rajadas de ar pela boca com o objetivo de descansar, Prudente pergunta a mulher com a voz esbaforida:

- E então, como me saí?

- Médio.

- Só isso?!

- É o resultado que você mostrou.

- Droga!! De tanto que eu me esforcei.

- Poderia ter sido melhor.

- Ainda preciso melhorar muito!

- Tudo bem.

- Tudo bem nada. Vamos fazer de novo!

- E você aguenta?

- Acho que sim.

- Vamos lá. Primeira pergunta: Escolha a operação correta: 17(?)9 = 8.

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Após mais um teste de QI respondido a duras penas por Prudente, ele pergunta:

- E o resultado agora quando deu?

- 116. "Inteligência acima da média".

- Iurruuu! To melhoranado!

- Mas ainda não está classificado. Você precisa está no nível "Inteligência muito acima da média" para isso! 

- Poxa, usar teste de QI como critério de namoro, não sei se é uma boa. Muito difícil. Eu amo você, isso não basta?

- Pra mim não!

- Ô mulher complicada.

- Não sou eu que sou complicada, você que é néscio.

- Eu sou o que?!

- Está vendo? Você ainda precisa estudar muito.

-Pff... Bom era o tempo que as mulheres só pensavam no dinheiro.

Moisés CouTo

quarta-feira, 16 de março de 2011

DEDICADO À QUEM ME DEIXOU


Quanto tu eras junto a mim, quão feliz eu era. Andávamos sempre unidos, não nos afastávamos um minuto sequer. Você era tão doce que nenhuma tarefa árdua exigia de mim, requisitava apenas uma única e sutil condição: A condição do bom tratamento. Você merecia muito mais do que isso, deveria ter exigido mais, talvez por não conseguir suprir maiores exigências eu podia me conformar de ter lhe perdido, mas dessa forma, do nada, por nenhum motivo eu não consigo entender a sua partida. Lembro-me de nós na praia, ao sabor do vento você e eu, despreocupados, sem cuidar da beleza um do outro. Beleza que você me deu, mas com sua partida não tenho mais. Isso mesmo, além de sorumbático e depressivo me deixastes ainda mais feio, como conseguistes? Como teve coragem de me abandonar depois de tudo que passamos juntos? Por que partistes? Responda-me! Não, não! Deixe meus pais e avós longe disso, a conversa é só entre nós. Pare com essa mania de colocar a culpa nos meus antecedentes, meu avô nem lhe conheceu. Volte pra mim, e te prometo cuidar melhor. Saudade amarga meu coração quando eu vejo nossas fotos juntos, minha garganta dói quando lembro de nós na mesma cama, meu ar falta quando lembro você em mim, quando estávamos em um só corpo, quando eu era o único homem a quem você pertenceu. Agora vivo triste! Olho para baixo e uma lágrima molha onde você, agora, gosta de estar, o chão. Saia das minhas pernas, de dentro de meus ouvidos e narinas, saia do meu púbis não te quero ai. Quero-te na minha cabeça, onde é teu verdadeiro lugar. Oh, meus cabelos, por que me abandonastes?  

Moisés CouTo

sexta-feira, 11 de março de 2011

MESQUINHO

Na turma da esquina o Epitácio, sem dúvidas, era o mais mesquinho. Contavam os amigos dele que dentre outras barbaridades de mesquinhez, Epitácio cortava ao meio os palitos de fósforo para economizar pela metade os gastos com as caixas, desligava a geladeira quando ia dormir, e etc. Já perto dos trinta anos e há mais de seis anos sem fornicar, Epitácio não via outra solução se não a de ter que pagar uma profissional do ramo para lhe matar a libido. Quando perguntou aos amigos vagabundos da esquina na qual frequentava diariamente, Epitácio quase que cai pra trás com o preço que as mulheres da vida estavam cobrando:

- 150 reais por uma noite de sexo?!

- O salário mínimo aumentou deve ser por causa disso!

- Eu prefiro fazer isso sozinho do que pagar pra outra pessoa fazer por mim.

Agora a turma de vagabundos da esquina entrava em mais um assunto, em mais uma conversa recheada de palavrões e gritos, murmúrio que perdurava por toda noite, irritando e perturbando o sono da vizinhança que era obrigada a ligar para a polícia, só assim para encerrar toda aquela zorra da madrugada. Epitácio ficou feliz quando Afonso expôs uma solução de baixo custo:

- Epitácio, seu sovina, tenho uma solução barata. Mulher a dez reais.

Depois de pensar muito, Epitácio resolveu ir ao lugar indicado pelo amigo que semanalmente buscava lá o prazer barato, arriscando a saúde.

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Ao chegar no local desejado, Epitácio se aterrorizou, não pareciam gente, pareciam mais bichos. Mulheres de corpos esqueléticos olhando com desejo para os olhos de Epitácio, porém com olhar ardiloso, pois o que realmente desejavam era a pedra de crack que comprariam com o dinheiro do programa. Epitácio consumido de medo misturado com libido escolheu impetuosamente uma. A moça se aproximou desajeitada, abriu a porta do carro, sentou-se e olhou para Epitácio e falou apenas com o olhar: “Vamos?”. Após andarem cerca de 2km a caminho do motel, Epitácio já estava constrangido com aquela situação silenciosa  resolveu falar:

- Oi. Tudo bem?

A moça parecia tímida, apenas balançou a cabeça em sentido positivo. Epitácio insistiu no diálogo:

- Qual seu nome? 

E então, uma voz grave e aveludada saiu estrondosa como a corda “mi” de um contrabaixo, mesmo numa tentativa quase desesperada da “moça” falar em voz fina:

- Natasha.

Epitácio ficou branco, só agora resolveu olhar para as mãos grossa e o pomo de adão proeminente da “moça” e percebeu do erro que cometera. Tentou inventar uma desculpa na hora, mas agora o homem travestido de mulher já estava no carro e queria seu dinheiro.

- Acabo de lembrar de pegar meu filho na escola.

- Mas são 11h da noite, não me vem com essa!

- Escola de samba, Escola de alguma coisa, não sei, só sei que preciso ir.

- É assim? Agora que percebeu que eu sou um menina genérica você quer me deixar? Tudo bem, mas eu só saio se você me pagar cinco reais.

Epitácio, estava incrédulo, além de passar por aquela situação constrangedora ainda ia perder seu suado dinheirinho que ele odiava gastar. Ainda tentou arrumar mais desculpas, mas não teve jeito, o travesti exigiu e agora só saía com os cinco reais. Epitácio, avarento como é, não viu outra solução:

- Quanto é o programa?

- Dez reais.

- Então vamos fazer o programa! Porque eu não vou perder cinco reais assim de graça, perco dez, mas pelo menos eu usufruo alguma coisa.

E Epitácio se submeteu aquela sórdida situação. Sorte dele é que o pessoal da esquina nem sonha, mas se descobrirem que ele manteve relação sexual com um travesti, ninguém queira estar na pele do Epitácio.

Moisés C. CouTo

sexta-feira, 4 de março de 2011

CARNAVAL - MISSÃO: HAITI


Faltava uma semana para o carnaval e Adalberto vem com essa:


- Amor, precisamos conversar. Assunto sério.

- O que houve? – Disse Adalgiza, sua noiva.

- Fui chamado pelo exército, missão: Haiti. Sabe como aquele país tá né? Muita malária, algumas revoltas contra o governo, até mesmo contra o exército em missão de paz. Chegou um email hoje de manhã, fui chamado, não tenho escolha. Tenho que ir!

- Foi convocado por email? Mas nem o “Tiro de Guerra” você serviu homem, por que logo você?

- Eu também não sei! Tá muito estranho mesmo. Apenas fui chamado, não posso decepcioná-los.

Eles se abraçam. Lágrimas escorrem dos olhos castanhos de Adalgiza. Adalberto está sério e sereno, olha para o horizonte com a barriga pra dentro e o peito cheio de ar, como quem já estivesse em serviço. A responsabilidade de representar o país lá fora já o consome.

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Segunda feira de carnaval. Euforia, alegria, satisfação, júbilo, bom-humor, contentamento, todos os sentimentos de felicidade tomam conta dos foliões, ao som de música baiana, fantasias, sorrisos, beijos, abraços muita bebida alcoólica. Quando de repente Adalgiza, que acabara de trocar muita saliva em um beijo com um homem de costas larga, avista Adalberto no meio de cinco homens fantasiados de soldados, camisas camufladas como a do exército brasileiro, porém com uma pequena diferença a frente da camisa está escrito com letras garrafais brancas: “Bloco: solados do álcool”. Adalberto vem cambaleante, a pálpebra do olho esquerdo está mais caída, a boca com um leve desvio para a direita, cabelo assanhado e todo seu corpo coberto de um pó branco, goma talvez. Mas Adalgiza, sua fiel companheira, não está ali pra atrapalhar a missão do noivo. “Ele está de serviço, está com a roupa do exército, esse pó branco deve ser para se camuflar ainda mais”, pensa ela. De repente Adalberto agarra uma mulata de cabelo volumoso, e taca-lhe um beijo de boca aberta. Adalgiza pensa, “Deve ser uma missão, essa deve ser uma espiã que de alguma maneira contribui para o tormento que vive o Haiti”. Quando Adalberto solta a mulata e gira a cabeça em direção a Adalgiza, ela se abaixa, não pode atrapalhar a missão do noivo, ela precisa sair dali sem que ele a veja, tudo para não estragar a missão. Ela agarra um loiro forte que está ao seu lado, e taca-lhe um beijo de mostrar a mucosa bucal dos dois e resolve sair de perto. “De maneira nenhuma, posso atrapalha a missão do Adalberto, o exército lhe chamou, e ele está cumprindo seu papel de servir e não atrapalhando o serviço do Adalberto, eu também estou servindo a pátria”.

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Quarta feira de cinzas, Adalberto vai até a casa dela e depois de um longo abraço de saudade pergunta:

- Como foi o carnaval?

- Senti sua falta.

- Eu também.

- Como foi no Haiti?

- Serviço pesado, tive que fazer cada coisa pro bem daquele povo.

- Eu sei amor, eu sei!

Casaram quatro meses depois e viveram felizes para sempre!

Moisés C. CouTo