segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

MAU GOSTO

O casal na praia de Tibau-RN, ele com a cabeça no colo dela. Tinham se conhecido na noite anterior e já marcaram o encontro na tarde seguinte, gostaram demais um do outro. “Rolou uma química inexplicável” assim ela pensava. Se conheceram fazia apenas algumas horas, mas era como se conhecessem há anos. Tudo era perfeito, até as preferências entre os dois eram iguais, ou quase todas:

- Menina linda.

- Oi.

- Qual estilo de música você gosta?

- MPB, Djavan, Caetano Veloso.


- Eu também!

- E você, qual estilo de livro você prefere?

- Eu adoro contos e crônicas .

- Eu também! Nossa química é perfeita. Qual sua cor preferida?

- Az...

- Zul! Nossa, a minha também!

- Nós fomos feitos um para o outro mesmo, perfeito!

- Qual time você torce?

- Baraúnas.

Ela fez uma careta e resmungou:

- Baraúnas? Eu sabia tava tudo perfeito demais pra ser verdade.

- E você torce para o Poti...

- Exatamente. Sou Potiguar.

E ela deu as costas pra ele. Passaram alguns segundos sem se falar. Ele foi ao encontro dela.

- Ta bom amor. Isso é só futebol. Cada um tem seu gosto.

- Verdade, nada que as cadeiras do Nogueirão não resolvam.

- Lógico! Podemos assistir ao clássico "Potiba" juntos.

- Isso! Você com a camisa do Potiguar e eu do Baraúnas

- Ai que lindo!

Beijos e mais beijos. Ela agora deita a cabeça no colo do rapaz e fala:

- Meu ursão.

- Hum.

- Qual seu autor de contos preferido?

- Fernando Sabino e Luís Fernando Veríssimo. E você?

- Prefiro os de Machado de Assis.

Risos dos dois.

- Qual sua música preferida?

- Drão do Caetano.

- Oceano do Djavan.

- Qual sua comida preferida?

- Sushi.

- Sushi? Nossa, eu odeio Sushi, não tem sabor de nada.

Risos e mais risos, beijos e abraços.

- Tá vendo? A gente acabou de descobrir que difere em muitas coisas também.

- Verdade.

Depois de muitos beijos. Ela puxa o assunto novamente:

- Em quem você votou na última eleição para prefeito?

- Fulana Rosado.

- De novo?

- Sim. Mas foi só a segunda vez.

- Segunda vez? Já fazem mais de 25 anos que essa família está dominando o cenário da política municipal. Tudo a gente pode ser diferente, mas nisso não. Nisso eu não admito!

- Mas é só uma eleição.

-Você não acha que o bom da política é dá o máximo de oportunidade e rotatividade as ideologias? Isso deve ser feito até praqueles que estão em uma ótima gestão, imagina para quem está “mais ou menos” como essa daí. Essa cidade está parecendo uma ditadura, sempre essa mesma família no poder! Temos que acabar com isso.

- Mas amor, é só uma eleição.

- Eleição nada! – e ela levanta-se inopinadamente, dá as costas e inicia sua caminhada de volta para casa.

- Ei, espera. Da próxima vez eu mudo. Voto na oposição

E ela para e olha pra trás esperançosa:

- Sério?

- Voto naquela outra. Beltrana Rosado!

- Oh meu Deus, quando essa dinastia vai acabar?

Ele fica abismado, afinal é só uma eleição e uma família tomando de conta do cenário político do município em que vive. E ela teve que mudar de cidade para arrumar um namorado porque não suportava quem tivesse o “voto de cabresto inconsciente” como ela mesma classificava e são raríssimas as pessoas que não se enquadram nessa situação na cidade de Mossoró-RN.

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Ah, quase ia me esquecendo. O nome dela é Bom Senso e o dele é Acomodado. Ainda tivesse que o chamasse de “Rabo-Preso”, mas é melhor nem citar esse apelido. Pra não ofender ninguém.

Moisés C. CouTo

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

LAJES

Quando eu era criança a palavra ‘Lajes’ tinha apenas três significados: Parar, descansar e comer. Isso era fato porque Lajes-RN é a principal cidade que serve de ponto de apoio e parada da movimentada BR-304 que liga Mossoró à Natal. Todos que passam por essa rodovia, na maioria das vezes, param na cidade de Lajes para fazer um lanchinho, ir ao banheiro, “esticar as pernas” e descansar um pouco da longa viagem. Comigo e minha família não era diferente, sempre parávamos para ir ao banheiro e depois fazer um lanche, era a rotina de sempre na parada rápida.    
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Certa vez, ainda quando criança, eu e minha família viajávamos para a capital e como sempre eu aguardava ansiosamente a parada na cidade de Lajes devido aquelas macias e cheirosas torradas de queijo que comíamos na escala. Geralmente uma viagem de carro causa muita fome, quando se é criança então, este fato parece triplicar-se. Dessa vez foi um pouco estranho. Paramos em Lajes descemos todos, porém, fui só ao banheiro - onde apreendi boa parte dos palavrões que sei hoje, lendo os dizeres carinhosos nas paredes sujas – depois de descobrir mais quatro palavrões enquanto urinava, terminei, não lavei as mãos e fui correndo buscar minhas suculentas e macias torradas de queijo. Quando cheguei à lanchonete, minha família não estava mais lá, procurei em todos os lugares, em vão. “Eles me esqueceram” pensei. Com lágrimas nos olhos perguntei a um senhor que sentava em um banco de madeira, descrevi o carro de meu pai, e ele informou que este acabara de sair. As lágrimas escorreram e chorei, e o velho nem parecia se importar, tomava um resto de sorvete roxo, devia ser de uva, pedi ajuda e ele disse:

- Para de chorar guri, senta e toma este sorvete que eu te ajudo a sobreviver aqui, tchê.


O velho tinha um sotaque gaúcho carregado, contara que quando criança viajava de caminhão com seu pai, vinha de Pelotas para Fortaleza, o pai dele também o esquecera naquele local já fazia 54 anos. Viveu toda sua vida ali, comendo o resto dos alimentos deixados pelos viajantes. “Se queres viver, me segue guri”. E assim foi minha vida, comendo o resto de comida que os viajantes deixavam, brigando com cachorros e gatos, fiquei sujo, cabelo grande, mau hálito, os poucos dentes que tinha ficaram podres. Tinha fome, o pouco alimento não me saciava. Estava perdido! Para dormir o velho me arranjou uma caixa de papelão que embrulhava lixo da lanchonete. De manhã sempre ficava admirando através do vidro aquelas torradas macias e suculentas com cheiro gostoso de queijo quente que me faziam salivar, mas nunca comia, nenhum viajante deixava resto de torradas nos pratos, elas eram deliciosas demais para isso acontecer. Chorava baixinho à noite, se o velho escutasse brigava comigo.  Não aguentava mais aquela vida, minha fome era imensa, até que um dia minha família voltou da capital, corri de felicidade, mas eu estava tão sujo e diferente que eles não me reconheceram. Chorei ainda mais, a fome apertava, gritei alto, até que uma voz protetora disse:

- Acorda meu filho, o que houve? Está sonhando?

Era a minha mãe, tudo aquilo era apenas um pesadelo - a viagem causa muito sono até para quem dirige, imagine para uma criança deitada no banco de trás - e então com muita fome em vida real, que parece ter influenciado a fome do pesadelo, perguntei a minha mãe:

- Já passamos de Lajes?

- Ainda não, meu filho.

Então suspirei aliviado:

- Ainda bem.
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Hoje em dia “Lajes” têm muitos significados:

Plural de obra continua de concreto armado a qual substitui sobrado, teto de um compartimento ou piso. Revestimentos de parede e túmulos. Pedras lisas, chatas e largas, de grandes dimensões. Parar, descansar e comer.


Moisés C. CouTo

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

APELIDO CARINHOSO

- Amor.

- Oi.

- Já tá na hora de darmos um nome a ele.

- A ele quem?

- A ele amor – E ela apontou com os próprios lábios para o órgão sexual do noivo.

- O QUÊ?! – Uchôa abre os braços e olha em direção a genitália - E precisa?

- Claro amor. Isso é fundamental para uma relação ser duradoura e amistosa, só faltam três meses para o casamento e ainda não temos um apelidinho para eles.

- Sei não. Muita frescura pro meu gosto.

- Deixa de ser grosso homem.

- Pênis tá bom pra mim. Pra você não?

- Para, Uchôa! Que coisa mais seca! Toda relação precisa disso.

- De nomes para as partes íntimas?

- Sim! Não lembra o Paulo e a Roberta? Ele chamava de “Pau”. Que coisa mais grossa!

- O QUÊ? Grossa? E você já viu?

- Não, Uchôa. O apelido, muito grosso.

- Mas era apelido. Era o prefixo do nome do Paulo. Acho que esse serve para nós também.

- Aff, que nojo. Por isso que acabou o casamento. Não basta ter um apelido, tem que ter um apelido carinhoso.

- Lá vem você.

- Brominho.

- O QUÊ?!

- Brominho. Tão bonitinho o brominho do meu amor.

- Ei tira a mão daí. É muita frescura pro meu...

- Brominho.

- Para com isso.

- Eu gostei do Brominho.

- Eu não. Qual o apelido que você deu pro negócio do Adamastor?

- De novo você com essa história, Uchôa?

- Fala, Maria do Carmo.

- Já passou, Uchôa. Não faz bem para o nosso relacionamento falarmos de ex-amores.

- Fala!

- Há mais de 5 anos que não o vejo.

- Mas eu quero saber, para comparar o apelido do meu com o dele e ver qual...

- Serpente.

- O QUÊ?! Serpente?! E por que você deu esse apelido, Maria do Carmo?


- Por causa do sobrenome dele. Adamastor Cobra. Serpente, cobra era por causa disso.

- Mentira, o nome dele era Adamastor Clóvis Sampaio.

- É... ahn...era? Como você sabe?

- Não mude de assunto. Por que esse apelido, Maria do Carmo?

- Ta bom, vamos chamar o seu de pênis mesmo.

- Fala, Maria do Carmo, por que aquele apelido? Quer dizer que o do Adamastor é Serpente Venenosa e eu sou Brominho?

- Não faz bem falarmos de ex-amores, Uchôa. Vamos encerrar esse assunto.

- Encerrarmos nada, a partir de agora chama o meu de Anaconda!

- Menos Uchôa, menos.

- O QUÊ?!

- Nada nada, minha anacondazinha!

- Anaconda! Anaconda sem diminutivo! Anaconda!!

Moisés C. CouTo 

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

AMOR PLATÔNICO

Amor platônico era o que Gibraltar sentia por Fátima Bernardes. Todo dia às oito e quinze da noite lá estava ele sentado no sofá esperando começar o Jornal Nacional. Ele não perdia um dia sequer.

Boa noite. “Boa noite”. Gibraltar respondia no pensamento, sua mulher estava ao lado, não podia nem sonhar naquela admiração do marido para com a jornalista. Enquanto Willian Bonner falava, Gibraltar pensava:

Em Brasília o ministro da educação viabilizou uma série... “O que esse cara tem que eu não tenho? O meu grisalho é até maior do que o dele. Sou apenas um ano mais velho, sou mais experiente, Fatinha. Essa voz aveludada só pode ser forçada, ele não fala com ela sempre assim, ou será que fala? Eu também posso me esforçar e falar”.

Fátima. Obrigado Heraldo. No Rio de Janeiro as chuvas continuam castigando a região... “Linda, maravilhosa, te amo, quando vamos nos conhecer? Vou te fazer feliz minha deusa”. E os lábios de Gibraltar, inconscientemente, se uniam em um bico apontado para Fátima Bernardes até que:

- O que é isso Gibraltar Ferreira?! – Indagou sua esposa, furibunda.

E Gibraltar, assim como todo homem, criou um desculpa na hora, depois de fazer a pergunta básica para ganhar tempo:

- O quê? Ah isso? – Vesgo, Gibraltar olhava para o bico que criara com a própria boca – Tô com uma coceira no septo, tô coçando com os lábios, qual é o problema?

E Gibraltar teve que ficar todo o resto do jornal fazendo aquele trejeito ridículo. “Tudo isso por você Fatinha, isso é só uma gota d’agua do que eu posso te oferecer”. Quando acabou o jornal Gibraltar foi para seu quarto desconsolado, acabou mais um dia de namoro com sua deusa. Sua esposa permanecia na sala para ver a novela e Gibraltar ia pro quarto sozinho com a cabeça na musa inspiradora. Dormia pensando nela, tentando sonhar com sua diva.

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03h25min da manhã o telefone toca no criado mudo vizinho a cama, Gibraltar com a cara assanhada e o cabelo amassado, ou vice-versa, atende:

- Lô

- Ai tiozinho, perdeu. Sequestramos a Janeth sua mulher.

- Rapaz então você ligou para o número errado, porque eu não conheço nenhuma com esse nome ai, minha esposa chama-se Fátima.

Gibraltar desliga o telefone na cara do sequestrador e vira para o outro lado. Dois minutos depois vira de lado de novo e pensa: “Ligação estranha, coitado da família dessa tal... Êpa, perai! – Gibraltar soergue-se na cama - Janeth é minha esposa, ai meu Deus do...” o telefone toca novamente:

- Olha aqui tiozinho, tá me tirando? Vou estourar os miolos da sua mulher. É o seguinte: Estamos aqui na praia do Leblon venha e traga o que tiver de dinheiro na sua casa.

- Calma, Calma, estou a caminho.

Gibraltar pegou seu salário que acabara de ganhar, tomou seu carro e foi em direção à zona sul. Tinha um longo caminho pela frente, pois morava na zona norte do Rio de Janeiro. Ao chegar ao bairro do Leblon enquanto procurava a rua que dava até a praia lembrou: “O Manoelzinho falou que a Fátima Bernardes morava por aqui, nessa próxima rua à direita... Aqui está, foi nesse prédio azul que ele disse”. Gibraltar parou o carro, colocou a cabeça para fora da janela do carro e olhou para cima. “O Manoelzinho deve estar certo, ele conhece tudo da vida dos famosos, foi graças a ele que eu consegui o autógrafo do Loco Abreu no shopping Igua... Oh minha nossa, a luz de um quarto acendeu, é ela! Só pode ser ela, sentiu minha presença, veio ver da janela, é hoje que nos encontramos. Aqui Fátima minha deusa, estou aqui”. Gibraltar ainda chegou a sussurrar:

- Estou aqui Fátima, desça! Venha ao meu encontro.

A luz do quarto se apaga e o vigia vem se aproximando. “Minha nossa vou sair daqui.” O apaixonado engata a marcha e sai vagarosamente. “O que estou fazendo?”. Gibraltar dá meia volta e retorna para casa, confuso. “Essa mulher está me deixando maluco”.

Moisés C. CouTo

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

SEXO E FUTEBOL

Depois de algum tempo ai vai mais um belo conto do saudoso Luis Fernando Veríssimo. As diferenças e semelhanças entre sexo e futebol. Muito Bom!

No que se parecem: o sexo e o futebol?

No futebol, como no sexo, as pessoas suam ao mesmo tempo, avançam e recuam, quase sempre vão pelo meio, mas também caem para um lado ou para o outro, e às vezes há um deslocamento. Nos dois é importantíssimo ter jogo de cintura. No sexo, como no futebol, muitas vezes acontece um cotovelaço no olho sem querer, ou um desentendimento que acaba em expulsão. Aí um vai para o chuveiro mais cedo. Dizem que a única diferença entre uma festa de amasso e a cobrança de um escanteio é que na grande área não tem música, porque o agarramento é o mesmo, e no escanteio também tem gente que fica quase sem roupa. Também dizem que uma das diferenças entre o futebol e o sexo é a diferença entre camiseta e camisinha. Mas a camisinha, como a camiseta, não distingue, ela tanto pode vestir um craque como um medíocre. No sexo, como no futebol, você amacia no peito, bota no chão, cadencia, e tem que ter uma explicação pronta na saída para o caso de não dar certo. No futebol, como no sexo, tem gente que se benze antes de entrar e sempre sai ofegante. No sexo, como no futebol, tem o feijão com arroz, mas também tem o requintado, a firula e o lance de efeito. E, claro o lençol. No sexo também tem gente que vai direto no calcanhar. E tanto no sexo quanto no futebol o som que mais se ouve é aquele “uuu”.


No fim sexo e futebol só são diferentes, mesmo, em duas coisas. No futebol não pode usar as mãos. E o sexo, graças a Deus, não é organizado pela CBF.

Luis Fernando Veríssimo

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

VIDA DE CÃO

Aos 20 anos de idade Severino não teve escolha, depois de muito relutar acabou acatando as ordens do pai, deixou a pequena Nazarezinho no interior da Paraíba e rumou ao Rio de Janeiro em busca de trabalho. Ao chegar à capital fluminense, Severino logo arrumou emprego na construção civil, graças ao conhecimento na área adquirido na vida de servente de pedreiro que levava com seu pai. Não faltava trabalho para o imigrante nordestino, era expediente corrido de manhã e de tarde apenas com uma breve parada para o almoço, a noite não tinha  forças para nada, chegava em seu cubículo no Albergue do Alfredão tomava um banho frio no chuveiro coletivo e apagava em sono pesado sobre sua cama dura. Todo dia a mesma rotina, acabava uma construção e Severino logo era chamado para outra, eram horas de trabalho duro debaixo de sol causticante e chuva gelada. Assim levava sua difícil vida em busca do suado dinheirinho.

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Depois de dois meses de trabalho direto até nos finais de semana, Severino teve um folga. Pegou metade do dinheiro que ganhara ligou para a família de um orelhão e depois foi passear. Tomou um ônibus na parada mais próxima e foi direto à praia de Copacabana. Chegando, Severino ficou bestializado com aquela obra prima, a união da natureza representada pelo mar, e o homem representado por todos aqueles altíssimos prédios da Av. Atlântica. Severino olhava para o alto, atônito, admirando uma paisagem que nunca vira antes. Até que sentiu algo frio e molhado em seu pé calçado por um chinelo velho, voltou a si e olhou para baixo era um poodle alvo como roupa de anjo lambendo seus dedos, atraído pelo mau odor que exalava do pé de Severino. Antes que pensasse qualquer coisa, uma senhora grita:

- Menino, ai está você!

A senhora segurou firme, dessa vez, na coleira do cachorro e ordenou o cão, como se ele entendesse:

- Menininho levado, peça desculpas ao homem.

- Não precisa – falou Severino quase pedindo desculpas ao cachorro.

A senhora interrompeu o passeio com o cão e aproveitou para conversar com Severino enquanto descansava:

- Ele fica assim mesmo, quando sai para passear parece um louco, deve ser pelo espaço lá da nossa casa. Nós moramos ali – apontou a senhora para o último andar do prédio a beira-mar - na cobertura, lá é bem grande, mas não é o bastante para ele, tem que passear. Toma banho de piscina três vezes por semana, tem um quarto só pra ele com cama recheada de pena de ganso, come três vezes por dia ração de filet, maminha e picanha, cruza duas vezes por semana com cadelas diferentes, o veterinário disse que tiraria o estresse dele, mas também confesso que dorme muito. Sempre a essa hora passeio com ele, ele adora a praia, esse calçadão. Vimos todos os dias.  


Severino ouvia tudo aquilo boquiaberto e a senhora continuava:

- Toda quinta feira tem a visita ao veterinário depois tosa e banho. Inclusive estamos atrasados. Bem, foi bom conversar com você, vou indo, vamos Rodolfo diga tchauzinho para o moço.

E a senhora se foi com seu poodle saltitante, que de tão limpo refletia a luz do sol. Severino, pasmado e pensativo, observava aquele cão indo embora. Olhou mais uma vez a cobertura que o cão morava, no prédio mais alto da Av. Atlântica em Copacabana, inspirou profundamente e suspirou:

- Ah, como eu queria ser aquele cachorro.

Moisés C. CouTo

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

POUCO DIÁLOGO

Sábado à noite a boate Curtição era sempre lotada, por causa disso Ernesto e Suely sempre iam para lá em busca de um relacionamento sério. Dizem que boate não é lugar para isso, mas Ernesto e Suely apelavam a qualquer coisa: boate, shows, barzinhos, bate-papo da uol, bordel – este último só no caso do Ernesto – o máximo que Suely fez foi assistir uma apresentação de um gogoboy vestido de bombeiro, mas o rapaz passara mal e morrera devido ao uso excessivo de anabolizante.  Se você tem mais de trinta e cinco anos, assim com Ernesto e Suely, e ainda não casou e nem está noivo ou namorando, preocupe-se, pode ser tarde demais, ou melhor, desespere-se você pode ficar para a titia. Ernesto estava só preocupado, Suely estava desesperada mesmo, com algumas características de sofreguidão também. Naquela noite a boate estava - como Ernesto gostava de falar - “bombando”. A visualidade era dificultosa em virtude da baixa luminosidade e prejudicada, mais ainda, por uma fumaça que tinha um cheiro doce e era jogada no ar constantemente, a música não mudava muito, eram sons graves constantes aditados a uma letra musical de língua inglesa falando alguma obscenidade qualquer. Ninguém ouvia ninguém, os diálogos eram feitos através de gestos. Ernesto fez um sinal, para o amigo que o acompanhava, de quem segurava uma mangueira invisível no ar bem na frente do púbis e em seguida foi ao banheiro, após fazer sua necessidade foi até o balcão levantou o dedo indicador e logo depois o abaixou e no mesmo instante levantou o polegar levando em direção à boca, prontamente a funcionária da Curtição lhe deu uma cerveja e recebeu a ficha dele. Ernesto observava a boate ao seu redor balançando a cabeça para frente e para trás no mesmo compasso do som grave até que parou em Suely. Achou que fosse bonita, a pouca luz não ajudava na avaliação desse quesito, ficou-a observando e quando tomou coragem foi até ela. A conversa foi desastrosa, o som não permitia o entendimento claro das palavras:

- Olá, tudo bom? – iniciou Ernesto o diálogo embaraçoso.

- Hein? Replicou Suely, fechando os olhos e aproximando o ouvido à boca de Ernesto

- Tudo bem?

- Suely, e o seu?

- To bem também!

- Qual é seu nome?

- Trinta e cinco. Estava ali te observando, e vim até aqui só falar o quanto você é bonita, sabia?

- Legal, eu também sou professora. Sou formada em Biologia.

- Quer uma cerveja?

- Qual é sua idade?

- Não precisa tenho ficha aqui.

- Vim com uma amiga.

- É verdade eu nem me apresentei, meu nome é Ernesto.

- Você trabalha onde?

- Virgem, só o signo tá? hehehe.

- Quê?

- Oi?

- Ah tá.

- Tá frio aqui.

- No centro pertinho da Funerária Boa Viagem.

- Você é cheirosa também!

- Tenho sim, um Husky Siberiano.

- Essa? Foi de uma queda de quando eu era criança.

Mesmo o barulho da boate não permitindo o entendimento da conversa o papo durou bastante tempo. Até que em um momento o som deu uma pausa, era a troca de Dj’s - nunca vi diferença de um para outro, mas dizem que existe, por isso trocam de vez em quando - aproveitando a pausa, Ernesto engrossou a voz, tentou fazer uma feição de sensualidade e usou o golpe final:

- Vamos sair daqui e ir para um lugarzinho mais reservado, só nosso, o que você acha?

Suely, assim como todas as outras mulheres que ouvira aquilo antes, pensou: “Que investida horrível”, mas seus trinca e cinco anos e seus dois anos de prazer, somente, solitário pesaram e naquele momento ela aceitou o convite. Entraram no carro de Ernesto foram até o apartamento dele, ao chegar se dirigiram logo para a cama sem pronunciar uma palavra sequer e se amaram loucamente. A única coisa que se escutou dos dois após saírem da boate foram gemidos de cada um na hora do ápice da fornicação, primeiro ela depois ele.
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Não demorou muito para eles se casarem. Os dois trabalhavam dois turnos, Suely ainda fazia doutorado à noite. Não tinham tempo para conversar, eram raros os diálogos com mais de cinco minutos entre os dois e quando aconteciam eram meramente objetivos. Recentemente, depois de trinta anos de casados, 65 anos de vida cada e raríssimas conversas se aposentaram e ficavam o dia todo em casa e devido ao tempo vago os diálogos surgiram. Porém esse foi o mal do casamento, ontem recebi a notícia de que resolveram desquitar-se. 

Motivo: Não gostaram da conversa do outro. 

Suely ainda disse à Ernesto, desapontada:

- Eu devia ter desconfiado quando você me veio com aquela conversinha de ir para um lugar mais reservado, só nosso. Francamente!

Moisés C. CouTo

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

GARANHÃO

Johnny é um garanhão. Homem das baladas e noitadas. Não era tão bonito assim, mas tinha uma ótima lábia, era o que importava. Como de costume tinha ido a uma balada na noite anterior, tomado todas e chegado em casa 6:00h da manhã. As 8:20h, quando estava no melhor do sono, o telefone celular vibra. Johnny com a cara amassada, cabelo assanhado, a boca torta, só com um olho remelento aberto tenta acertar o botão verde de “atender”. Até que consegue e:

- Alô – dizia uma voz doce, suave, sensual e bem feminina.

- Quem é? – disse Johnny com uma baita dor de cabeça pulsante e extraordinariamente grande.

- Sou eu.. a Débora, então.. Você disse que eu podia ligar a qualquer hora e como gostei muito de você ontem a noite, não resisti e liguei cedinho assim, espero não...

Enquanto ela falava Johnny buscava em sua cabeça memórias da noite anterior. "Débora, Débora, que Débora?" pensava ele. Procurou em vão. Então, o garanhão a interrompeu com grosseria:

- Que Débora?

Mas antes dela esclarecer, Johnny, impaciente, falou grosseiramente:

- Olha aqui filha, eu cheguei em casa fazem apenas duas horas, quero dormir pô, depois eu te ligo.

E desligou o celular com brutalidade. Tomou os remédios para a dor de cabeça e azia e voltou a dormir.
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As 4horas da tarde, Johnny acordou, levantou-se, tirou o celular do modo “silencioso” e antes de chegar até o banheiro:

“Quica, quica, quica na latinha! Quica, quica, quica na latinha! Quica, quica, quica na latinha...”

Era seu celular tocando. Seu melhor amigo ligando. Roberto sempre ligava domingo à tarde para comentar a balada da noite anterior. Johnny já curado da dor de cabeça e apenas com uma leve azia atendeu com os dois olhos abertos e com mais calma falou:

- Fala parceiro!

- Eai garanhão.. porra tu é foda heim!

- Qual foi dessa vez? Não me lembro de quase nada de ontem. Lembro até o Wandinho dançando com a Michele.. Sim, e o Oswaldo discutindo com garçom por causa da cerveja quente. Depois daí, mais nada.

- Você não lembra?! – Gritou Roberto.

Johnny afastou um pouco o ouvido do celular e responde:

- De quê?

- Cara você estava no maior papo com a Débora Secco!! Aquela atriz da globo!

A mente de Johnny processou as lembranças que estavam em outro departamento do cérebro não verificado até então. Lembrou-se da longa e gostosa conversa amistosa que teve com a atriz global. Lembrou que investiu uns beijinhos, mas ela se esquivava não por desinteresse em conhecer os lábios do homem de bom papo, mas pelos paparazzi que insistem em tirar a privacidade da sua vida. Johnny lembrou também que ela, não ele e sim ela, pediu seu telefone, Johnny dera e falara que podia ligar a hora que quisesse, pois estava sempre disponível só para ela. Débora Secco falou que os paparazzi não a deixavam em paz e por isso ia ligar pra ele no dia seguinte e marcar um encontro mais reservado.

Johnny, sem dizer mais nada ao amigo, desligou o telefone, ficou branco, começou a ter atitudes estranhas, emitia sons de desespero seguidos por agressão própria. Seus lábios cerraram-se, encheu as bochechas de ar até os lábios não suportarem a pressão e proferir um estrepitoso “PPPPUUUtaquepariuu!” Johnny ainda pensou em suicídio, mas lembrou da sua mãe e, então, desistiu e decidiu, só, bater a cabeça contra parede, bateu tanto até que desmaiou.
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Uma semana depois, Johnny e seus amigos reunidos em uma mesa de bar. A conversa não podia ser outra:

- Johnny, você é o cara mesmo. Longa conversa com a Débora Secco. Putz! Que cara de sorte! – Falou o amigo Wandinho orgulhoso do parceiro.

- E então Johnny. Como acabou aquela conversa? – Perguntou o amigo Roberto.

E Johnny respondia com expressão de desdém:

- Ela me ligou atrás de conversa.

- E você?

- Não quis nada com ela. Não faz meu tipo.

- Sei... E esse “galo” na testa? 


Moisés C. CouTo

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

CIUMENTO

Cioso casado com Natasha e Paulo casado com Mariza. Eram dois casais amigos. Amizade que se fortificou quando os dois casais mudaram de cidade, graças a uma promoção dos homens na empresa de telecomunicações. Cioso e Paulo sempre foram amigos desde a juventude até os dias de hoje. Depois que conheceram suas respectivas mulheres e se casaram, não foi diferente.  Cioso sempre foi ciumento, porém com o passar do tempo se tornou mais ainda, o ciúme normal tornou-se doentio. Deve ter sido pela ação natural da velhice. A senescência foi mais agressiva com Cioso, ele ficou gordo, careca, diabético, hipertensivo, usava óculos fundo de garrafa e aparelho de audição. Ao contrário do melhor amigo. Mas não podia ser diferente, Paulo sempre cuidou da saúde, desde cedo sempre malhou, visitava o médico com frequência, só bebia vinho e raramente um whisky doze anos, e ultimamente fazia até pilates.

- Pilates, Paulo?


- Tonifica os músculos malhados da academia. Você devia fazer.


- Não vem com frescura pra cima de mim, prefiro minha cervejinha.

Nenhum fio de cabelo caiu da cabeça de Paulo, sua barriga era dura como um tanque de lavar roupa, enquanto Cioso era gordo, e tinha mais pneus do que um caminhão, contando até com o "estepe". Devido a isso Cioso se tornou inseguro em seu relacionamento, não queria mais que a mulher saísse sozinha, desconfiava até do entregador de água, afinal ele era jovem e viril, era forte e tonificado, não do pilates, mas de tanto carregar água e gás. Até os encontros tão amistosos com o casal amigo virou motivo de insegurança.

- Eu vi como você olhava pro Paulo – Falava Cioso com tom de inveja do corpo do melhor amigo.

- Cioso, você está ficando louco? Paulo e Marisa são nossos amigos, como você pode imaginar essas coisas?

A partir daí só foi piorando. Cioso estava doente. Imaginava que Natasha sua esposa fiel, flertava até com o Seu Borba, senhor de 72 anos que morava no apartamento vizinho. Em mais um jantar entre o casal de amigos no requintado restaurante da cidade, Cioso fez cena:

- Tenha vergonha Natasha – falou Cioso levantando da cadeira – flertar com meu melhor amigo, veja que ele nem dá bola pra você!

Aquilo foi o estopim. Cioso estava doente, era um ciúme doentio mesmo. Com a ajuda de Paulo e Marisa, Natasha conseguiu levar Cioso para uma terapia com um renomado psicólogo da cidade que se dizia curador de insegurança e ciúme doentio, depois de muita reluta, Cioso aceitou.
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No começo, mesmo em terapia, ele não aceitava que Natasha fosse comprar pão, quando o entregador entrava em seu apartamento, ela tinha que ir para o quarto. Receber a pizza do entregador, jamais. Natasha entendia, ele estava doente e em tratamento. O tratamento foi fazendo efeito, Cioso não gostava de falar o que havia naquela sala durante as sessões, uma vez falou algo relacionado à fidelidade das mulheres das cavernas e os dez mandamentos. Mas, o que realmente importava era que estava fazendo efeito. Depois de dois meses de tratamento, Cioso começou a melhorar. Natasha já podia abrir a porta para as visitas e  receber a pizza, ela fez festa quando depois de três meses de tratamento ela pôde ir à casa da vizinha pedir sal emprestado. Paulo e Mariza voltaram a visitar sua casa, Cioso não fazia mais escândalos, seu ciúme foi diminuindo, se tornou normal, como reclamar de uma saia muito curta da esposa. Até que chegou o último dia de terapia. Cioso nem quis que a mulher fosse com ele:

- Meu último dia. Preciso mostrar um feedback positivo pro terapeuta.

Natasha sorriu orgulhosa.
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Enquanto Cioso estava em seu último dia de terapia. Paulo, Mariza e Natasha arrumaram o apartamento para comemorar. Era um pedido do psicólogo, fazia parte do final do tratamento - a aceitação do paciente perante a esposa; a confraternização entre amigos comprovando que a mulher podia interagir com outras pessoas e a inspiração final em contrapartida a expiração final observando a esposa ao redor de outros - a terapia era esquisita mesmo. Compraram alguns salgadinhos, colocaram umas fotos do casal nas paredes e bastante vinho. O vinho tinto de Toscana oito anos, Seduzione, parecia saboroso. Paulo não resistiu tomou um gole e suspirou:

- Ahh.. está saboroso.

Nem esperaram Cioso chegar e as mulheres acompanharam Paulo no vinho. Começaram a beber:

- Só mais um copo - dizia Mariza com sede.

- Só mais uma garrafa – disse Natasha, enxugando os lábios com a lingua.

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Cioso terminou seu último dia. Aplaudido pelos funcionários – ritual repetido por todos os funcionários da clínica quando o psicólogo curava mais um paciente  - ele caminhava para ir embora e antes de cruzar a porta se virou para trás e disse:

- Estou curado! Obrigado a cada um de vocês!

Uns emitiram gritos uivosos, desejaram-lhe boa sorte, as palmas se intensificaram e o ex-ciumento foi embora. Cioso estava curado! Com essa afirmação no peito ele era só ansiedade para comemorar com a mulher. 

Ao chegar em casa notou várias garrafas de vinho abertas, caixa de salgadinhos abertas juntos com peças de roupa no chão. Foi até o seu quarto e se deparou com Natasha – sua esposa – Paulo – seu melhor amigo e Mariza - mulher do amigo  - todos pelados praticando uma orgia pervertida e suja. Os três degenerados exageraram na dosagem do vinho e acabaram perdendo a noção social. Cioso olhava incrédulo, em meio a lágrimas, àquela cena traumatizante. Ele não estava curado!

Moisés C. CouTo