domingo, 8 de dezembro de 2013

OLIVEIRA, O CANALHA

Alto, magro, boca larga, barba por fazer e uma cicatriz que lhe riscava todo o peito. Esse era o Oliveira que se inspirava em Palhares, o personagem “canalha” de Nelson Rodrigues. Oliveira era daqueles que não perdoava nem as cunhadas. Quando perguntado sobre a causa daquela cicatriz extravagante bem no meio do peito raspado, desconversava. Acendia um cigarro (ele não fumava, era só charme de canalha) e dizia sofrer com mulheres de unhas grandes na cama. Na verdade, aquilo tinha sido uma tentativa homicida de um marido traído. O esporte preferido de Oliveira era espiar os decotes alheios.  Na mesa do bar, costumava assumir numa satisfação profunda:

-Sou canalha, compreende? Sou raro nos dias de hoje. Um canalha genuíno! 


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Em uma tarde quente de feriado, enquanto o marido da vizinha foi prestigiar a procissão da padroeira da cidade, Oliveira aproveitou e adentrou a casa do lado. Desabotoando cada botão e aos poucos revelando a cicatriz que ostentava, a vizinha não resistia ao charme do canalha e se entregava numa fragilidade de mulher apaixonada. No entanto, o que os dois não esperavam é que o marido enganado voltasse mais cedo. Sem fazer barulho abre a porta, suando na testa, pergunta sobre o traje a caráter da procissão:

- Mulher, cadê minha camisa vermelha e verde? A santa tá chegan...

Nem deu tempo de terminar a frase, flagrara os dois na cama. Seus olhos e garganta queimavam de ódio. Oliveira fornicava numa agilidade equina. Ainda demorou uns quatro a cinco segundos para o canalha perceber o marido numa cólera infernal na porta do quarto. Ao entender o que acontecia, Oliveira saiu correndo pelado, com uma destreza atlética subiu na janela e saltou para o telhado da casa.

Houve então a cena chocante. A procissão passava naquele instante e todos os fiéis pararam para observar o corpo magro de Oliveira, pelado se equilibrando, tentando subir no telhado. Alguns definiram a cena de “A versão masculina de Gabriela” personagem de Jorge Amado. As senhoras de idade, atônitas, repetiam em uníssono “Que indecência!”, as mulheres fingiam tapar os olhos, os homens esbravejavam enciumados, os homossexuais gostaram,  as crianças choravam ao ver aquela horripilante situação e cada um teve seu ato particular de estupefação ao visualizar numa posição desprivilegiada (de baixo pra cima) o corpo magro totalmente nu de Oliveira, o canalha.

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Dias depois numa mesa de bar, Oliveira estava sendo criticado por seus amigos quase como um coral de capela, todos classificavam que o canalha passara dos limites e que sua bandalheira vida o fazia um homem imoral, as margens dos padrões da sociedade atual. Em silêncio, o canalha só ouvia e quando todos calaram esperando suas palavras de defesa acendeu um cigarro, deu duas tragadas superficiais com um olhar distante fingindo reflexão, apagou o cigarro no cinzeiro, levantou-se e disse numa satisfação profunda:

- A virtude é bonita, mas exala um tédio homicida.


E foi em busca de mulheres casadas na ânsia de saciar seu desejo eterno de canalha. 


Moisés Couto 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O ADVOGADO MASOQUISTA

Max Pinto era um renomado advogado da cidade, devido ao alto cargo que ocupava era seu dever passar uma imagem de homem sério e disciplinado. Fazia questão de cumprimentar a todos, mostrar sua imponência e índole cartesiana. Mas o que ninguém sabia era que o destemido Max tinha suas aventuras amorosas corriqueiras. Não tinha medo de nada, minto, a única coisa que o fazia perder o sono era a possibilidade de seu lustroso nome estar envolvido na bandalheira alheia. Por isso, suas aventuras eram sempre discretas e prudentes. Certa noite, que parecia ser apenas mais uma das diversões de Max com uma mulher qualquer, mudou sua vida.

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Enxugando o suor com um lenço do paletó que o advogado usara na última audiência poucas horas atrás, a mulher não poupou elogios:

- Você foi ótimo!

Max Pinto riu jocosamente.

Enquanto arrumava a bolsa para ir embora a mulher deixou surgir um chicote. Max ficou curioso, percebendo, ela tratou de fazer a propaganda:

- É um dos meus instrumentos de trabalho. Quer experimentar?

Max Pinto, passou alguns longos segundos com aquele chicote na mão, alisando-o com uma devoção única o advogado imaginou aqueles fios de borracha chocando-se contra seu corpo, jorrando suor e até gotículas de sangue. Ela pergunta:

- Posso bater?

Max tenta responder que não, mas a ânsia de descobrir o novo está inexplicavelmente incorporada. Segura o cabo do chicote e bate contra a própria mão, pensa e não resiste:

- Bate uma vez.

Foi atendido. O som, a dor, o prazer. Não se contentou. Alguns minutos depois, todo o dorso de Max Pinto estava rubro como as bochechas da timidez juvenil. O que surpreendera o destemido é que sentia prazer com cada beijo do chicote em suas costas. Sentiu um prazer sublime e inédito.

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Após o episódio, toda a índole de Max estava prestes a sucumbir.Com desejo de apanhar cada vez maior, o advogado estava inquieto. No trabalho o rendimento caiu, o apetite diminuiu, humor mudado. Max Pinto estava inquieto.

Não aguentando de tanto desejo enrustido, decidiu pegar mais uma mulher da vida para sentir o prazer novamente. Passando na Avenida onde as rameiras costumavam ficar, Max Pinto convidou qualquer uma dando a ordem:

- Sobe na moto!

Apaixonado por sua moto. Max tinha prazer em sentir o vento quente lamber sua face, só que naquele momento, nada o satisfaria a não ser o masoquismo.

Chegando no mesmo quarto de motel onde dias atrás o advogado apanhara pela primeira vez, tinha pressa. Antes de tudo, ligou para a atendente do motel e pediu o tão desejado chicote. Ansioso, enquanto despia-se detalhou para a companheira da vez o que desejava. No primeiro momento a prostituta frustrou-se ao saber que não haveria a fornicação como imaginara, porém o advogado bem sucedido pagou antecipado e a companheira dos adúlteros se satisfez.

Quando lhe foi entregue, não conseguiu segurar o sorriso. Segurando o chicote envolto de uma borracha preta perdeu todo o pudor. Despiou-se, ajoelhou-se entregando o objeto pediu, sem pusilanimidade, para que a mulher batesse na suas costas nuas:

- Bate, com toda a sua força! – ordenou.

E teve o desejo atendido. Uma, duas, três... Max se deliciou com aquelas lambidas do chicote em seu dorso. Uivava de prazer. Enfim teve seu desejo realizado.

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Ao ir embora, Max Pinto guiava a moto apreensivo. Pensava na compostura, na índole que acabara de perder. Tinha medo de que todo o seu sucesso profissional evaporasse como espumas ao vento (Com licença, Fagner). Tinha certeza de que a mulher que estava na garupa da moto espalharia por toda a cidade o segredo do renomado advogado. E aquilo lhe martelava a cabeça: “O advogado que gosta de apanhar!”. Só pensava nas manchetes, nos comentários, nas fofocas, nas galhofas. “O advogado masoquista!”. Repetidas vezes aquilo o perturbava “O advogado que gosta de apanhar”. Então, na rodovia a mais de 130 quilômetros por hora, Max Pinto traçou o próprio destino, invadiu a contramão e bateu bem no meio dos faróis incandescentes e ardentes de um caminhão que vinha em direção contrária. Ali, deu seu último urro de dor e prazer, a prostituta morreu em silêncio.  

Moisés Couto

terça-feira, 7 de maio de 2013

ALMEIDA


Nas dezenas de viagens que fiz entre minha querida Mossoró e a capital pernambucana, já vivenciei várias situações embaraçosas, e por que não dizer embaraçosíssimas? Já conheci e não conheci várias personalidades que iam à cadeira ao lado. É inevitável trocar duas palavras. Um “licença” ou um “desculpe”. Mas a última companhia de viagem foi de uma excentricidade singular. Conto-lhes.

Antes de propriamente sentar na cadeira, ainda conferindo o numeral impresso no bilhete e na poltrona, o homem atrás de mim tratou de se apresentar sem cerimônia, ou por outra, com muita cerimônia:

- Opa, companheiro. Com licença.

E antes que eu me virasse pra ver o rosto da figura, declarou seu nome numa satisfação e orgulho profundo, como se fosse ele mesmo que escolhera:

- Almeida, muito prazer.

O primeiro nome eu dispenso, nem me lembro. Minto, me lembro sim, mas não importa. Esse sobrenome de personagem principal das tragédias de “A Vida Como Ela É” já traz um efeito de jornal dos anos 60.

Apertei a mão de Almeida, ou melhor, ele apertou a minha, com virilidade juvenil, apesar dos seus cinquenta e poucos anos. Tratou de iniciar o bate-papo e como toda conversa começou pelas perguntas primárias. Nome, idade, o que fazia da vida, de onde vinha, pra onde ia, etc etc. Eu, com as confissões de Nelson Rodrigues na mão, não podia ler. O falastrão não deixava, comecei a ficar impaciente.

Meu companheiro de viagem falava alto, dionisíaco. Falava tanto e tão rápido que se ruborizava, limpava o suor da testa com o dorso da mão. Mas Almeida não era um cara qualquer. Sua vida é recheada de superação e vitória. Ouvi aflito as tribulações da vida de Almeida e quase comemorei junto dele suas glórias. Com sua capacidade intelectual invejável, Almeida discorria histórias de vida exemplares que guardarei em minha memória. Já me sentia a vontade ouvindo o entusiasta.

Em dado momento Almeida parou. Assim como inesperado tinha sido o início da conversa, inesperado foi seu término. Almeida envolto de um lençol alvo-azul dormiu um sono perene.  E depois disso a viagem foi tranquila e silenciosa como desde o início eu pretendia. Porém, quando o silêncio e a escuridão tomaram conta da viagem, senti falta das histórias impressionantes da vida de Almeida. Imaginei a improbabilidade de tê-lo como companheiro de viagem novamente, e por isso pensei em acordá-lo e pedir que contasse mais e mais histórias, mas não tive coragem de interromper o sono sereno de Almeida, que de tão profundo, nem parecia mais haver vida naquele corpo. Ele descansava do trabalho árduo de convencer o desconhecido companheiro de viagem, que a vida é uma viagem sublime onde não há espaço para silêncio, escuridão e solidão.

Moisés Couto

sábado, 2 de fevereiro de 2013

FILOSOFIA SELETIVA E MUTÁVEL


A filosofia representa o suprassumo da capacidade intelectual humana, porém isso vale apenas para aqueles que têm a capacidade física para tal. Sim, é injusto que algumas pessoas possam adentrar nas profundezas mais distantes do pensamento humano enquanto outras não compartilhem do mesmo direito. Esses que não podem, por favor me entendam, me refiro àqueles que não conseguem. Não conseguem por fatores puramente físicos, deficiências. Os que não gozam de filosofia por preguiça ou comodismo não vêm ao caso.

A nossa vã filosofia (me permitam o plágio sheakespeareano) não é acessível a todos e por causa disso não pode ser considerada como a principal das ciências. Eis o que eu quero dizer: se um cidadão tem um nível de serotonina baixo, ele pode entrar em um estado depressivo e ter uma linha de pensamento totalmente diferente se caso ele estivesse com esse mesmo neurotransmissor em nível considerado normal. Ou seja, a pessoa em questão pode não ter a capacidade de “filosofar” porque o seu cérebro não permite tal ação. Só o condiciona a pensamentos autodepreciativos, etc.

Ou por outra, vejamos outro exemplo da debilidade da filosofia: se hoje ostento um determinado pensamento sobre determinado aspecto, amanhã eu posso não mais compactuar a mesma convicção, pelo simples fato de, por exemplo, minha serotonina estar diminuída. Compreendem onde quero chegar? Uma ideologia pode ser mudada não exclusivamente por argumentos, mas pode também ser modificada por um aspecto físico! Um simples e abjeto fator. Que ciência é essa, donde suas verdades são tão fortes quanto um pudim? Tudo depende da fragilidade de um órgão. Se minha saúde não estiver em condição considerada perfeita, significa que posso ter uma deficiência de algum neurotransmissor e isso me fazer mudar convicções do dia pra noite.

Observando bem, concluo que a filosofia sai do abstracionismo inatingível e entra no âmbito do concreto (Comunicação nervosa). Entra no âmbito do físico, do material, do objetivo, do estúpido. E se Platão, Sócrates, Descartes e todos os famigerados filósofos que habitaram na terra tivessem doses diferentes de neurotransmissores quando “filosofaram” para a história? Seus pensamentos seriam outros, talvez eles nem estivessem sendo citados nesse singelo texto. Em suma, a filosofia está no mesmo barco das demais ciências. O barco do exato e da objetividade. No barco daqueles que necessitam de algo concreto para sobreviver. Num reles barco qualquer.

Moisés Couto

FRASE

O ato mais covarde e, ao mesmo tempo, mais sublime do ser humano é correr para o colo da mãe nos momentos de aflição.


Moisés Couto

sábado, 15 de dezembro de 2012

A VIÚVA RODRIGUEANA


O marido crispava-se no leito de morte. Sentia que aquelas batidas do coração descompassadas e cada vez mais lentas eram os últimos sinais de vida. Sua mulher agarrava sua mão com força, como se aquilo pudesse segurar a vida que esvaía de seu corpo pálido e rígido. Ele morreu lamentando-se do que não fizera com a premissa de deixar para depois. No último sopro de vida, inclinou a cabeça em direção à esposa e, com um olhar rútilo, viu a silhueta da mulher, a quem por mais da metade da vida dedicou seu amor único e ululante, desaparecer lentamente.

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Depois de todo o cerimonial fúnebre, ao chegar a casa uma amiga fogosa tratou de consolar a viúva:

- Percebeste como os homens te olham?

- Do que você está falando?

-Tu sabes o quanto os homens te desejam? És linda. Até no velório eu percebi que os homens olhavam diferente pra você.

- Por tudo que é mais sagrado, Carminha! Tu não tens vergonha? Meu marido, meu homem, meu amor está morto. Nunca mais vou amar, compreende? Nunca mais!

- Mas você precisa de alguém pra cuidar de ti. Toda mulher precisa de um amor. Quando um se vai, outros chegam. Isso é a lei da vida. É batata!

- Não preciso mais de homem nenhum. Eu mereço sofrer, porque meu amor morreu. Dentro de mim não há mais amor, nem nunca mais haverá. De uma vez por toda, não fale mais disso. Eu morri junto com meu marido!

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Durante dois dias, a viúva carregou consigo o fardo da perda. Sentia um peso em cima de seus ombros que de repente escorria por todo o seu corpo até as plantas dos pés. Sentia nojo de seu próprio corpo. Nojo de carregar consigo o seu corpo de mulher desejável, desenhado por curvas que despertavam os olhares cobiçosos de qualquer homem são. Nojo de carregar suas partes íntimas que um dia a fizera sentir prazer. Sofria por ter tido prazer um dia na vida. Chorava todo o tempo e, para si, chorar era um alívio. Seus olhos já estavam secos, não havia mais lágrimas para lamentar a perda do amor de sua vida.

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Mas eis o que quero dizer: Quarenta e oito horas depois, em uma manhã de domingo ela acordou mais viva. O peso que outrora não a deixava levantar da cama sumiu. Colocou um vestido preto que ainda lhe caracterizava como viúva, no entanto, era mais curto, decotado e rente ao seu corpo o que ressaltava suas belas curvas. Saiu nas ruas e não havia mais receio de si. Sentiu-se bem em perceber que despertava o desejo masculino e a inveja feminina. Atraía desde o tarado promíscuo das esquinas até o casto que se ruboriza com um olhar feminino.  

- Que o dia seja tão belo quanto a dama!

E literalmente tiravam o chapéu em reverência a beleza da viúva.

Passou num mercado e pediu que levassem o leite até a sua casa:

- Seu Manoel, por favor, peça para alguém levar um leite bem gelado até a minha casa. Muito bem gelado, compreendeu? Porque o calor de hoje está de derreter catedrais.

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Alguns minutos mais tarde, bate a sua porta o entregador do mercadinho. Um moço forte e viril. A viúva não conseguia disfarçar seu olhar que ia dos pés a cabeça do moço, despertando em si a libido adormecida. Não resistiu muito tempo e logo se entregou aos prazeres carnais com o entregador de mercadoria. Pela janela, Carminha, a amiga fogosa, via a viúva roçando os lábios com o homem másculo, gozando das tentações lascivas.

Uma velha gorda que vinha da feira carregando uma sacolinha amarela com ração para peixe, viu a obscenidade na janela e reprimiu com veemência:

- Acabou de perder o marido e já está fazendo bandalheira sem um mínimo de pudor!

E fez uma careta que conseguiu deixa-la ainda mais feia.

- Querida – Carminha respondeu com uma voz mansa e irredutível - A dor da viuvez dura quarenta e oito horas, compreendeu? Fugazes quarenta e oito horas!

Moisés Couto

terça-feira, 18 de setembro de 2012

A TRAÍDA RODRIGUEANA


- Me trai!

Era o que Antonieta dizia a si, em meio tom, enquanto deslizava a esponja úmida no prato sujo. Nos últimos dias, seu marido mudara de comportamento. Frio e rígido como uma pedra de gelo, ele não dirigia mais palavras de carinhos à esposa, na verdade, ele diminuiu muito o tempo de qualquer simples conversa com a mulher.  Ela, que esbanja uma feminilidade extrema, percebera bem a mudança do esposo. Resolveu desabafar com a vizinha e melhor amiga:

- Ele me trai! Eu sei que me trai.

Antonieta deixava escorrer uma lágrima que traçava em seu rosto macio um caminho triste do olho até seu lábio inferior trêmulo. Mas a vizinha se dispôs a consolá-la.

- Amiga, que mal há? Pois fique sabendo que eu descobri há algum tempo que meu esposo me trai e, de lá pra cá, minha vida melhorou muito.

- Como assim?!

E a vizinha retrucava:

- Nunca ouvistes aquele ditado: “Quanto mais infiel, melhor o marido”?

- Você só pode estar louca!

- Não, amiga. A infidelidade só ajuda no matrimônio conjugal. É batata! Ouça bem, depois que descobri que meu marido me trai, ele passou a ser um doce, compreende? Enche-me de presente, de carinho, de afago. Nunca mais esqueceu meu aniversário. Digo mais, nunca mais esqueceu nossa data de casamento. Acredita?

Antonieta ouvia a tudo atônita. A vizinha continuou:

- Olha, tá vendo esse vestido?

- É lindo!

- É. Foi ele quem me deu. Ele agora é um doce, compreende? Um doce! O melhor marido do mundo!

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Mais tarde, em casa, enquanto o marido dormia, Antonieta o olhava. Sentia saudade dos tempos em que ele fora carinhoso, amável, cortês, etc. Ameaçou passar as costas de sua mão no rosto dele, mas desistiu. Naquele momento teve medo de que o amor entre eles estivesse acabando. Nos dias subsequentes, a dúvida da possível traição só aumentava.

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Depois de alguns dias de martírio, Antonieta já não aguentava mais a indiferença do marido. “A indiferença é pior do que tudo!”. Criou coragem e resolveu tomar uma atitude. Naquela noite, quando o marido chegasse do trabalho, ia de uma vez por toda acabar com aquela dúvida cruel e perguntar inopinadamente se ele tinha outra. Todavia, quando o marido chegou do trabalho, parecia ter outro rosto. Com um sorriso estampado e olhos brilhantes ele olhava para Antonieta. E antes que a mulher pronunciasse qualquer palavra, o marido disse:

- Antonieta, meu amor. Trouxe uma lembrancinha para você.

Antonieta vasculhou a mente buscando se aquela data era um dia especial. Verificou e constatou que não se tratava de absolutamente nada. Aniversário dela, aniversário do casamento, data do primeiro beijo, enfim, nada! Era só mais um dia na vida terrena de cada um. O marido interrompeu o raciocínio dela:

- E então, meu amor. Não vai querer?

Antonieta voltou à realidade.

- Sim, sim. Quero. O que é?

O esposo abriu uma caixinha envolta de um felposo veludo azul marinho. Dentro havia uma colar de ouro brilhante como os raios de sol nordestinos do meio dia. Ele com um sorriso incansável esperava uma reação da mulher. Antonieta balbuciou:

- Mas hoje não é nenhum dia especial.

- E daí? É só um presente que queria te dar.

- Mas assim, sem mais nem menos?

Ele foi enfático:

- Sim. Você merece!

Antonieta pôs o rosto do marido entre suas mãos e o beijou como na lua de mel. Suas lágrimas salgavam o beijo que parecia eterno. O marido foi para o banho e Antonieta correu para o telefone. Discou para a vizinha amiga.

- Amiga! – sua fala era entusiasmada, porém se segurava para não falar tão alto, não queria que o marido a ouvisse – estou tão feliz!

- O que há, Antonieta?

E ela com um rosto transfigurado de alegria e em meio a lágrimas de felicidade, gemia aquelas palavras com um prazer quase orgásmico:

- Me trai, compreendeu? Ele me trai!

Moisés Couto