Alto, magro, boca larga,
barba por fazer e uma cicatriz que lhe riscava todo o peito. Esse era o
Oliveira que se inspirava em Palhares, o personagem “canalha” de Nelson Rodrigues.
Oliveira era daqueles que não perdoava nem as cunhadas. Quando perguntado sobre
a causa daquela cicatriz extravagante bem no meio do peito raspado,
desconversava. Acendia um cigarro (ele não fumava, era só charme de canalha) e
dizia sofrer com mulheres de unhas grandes na cama. Na verdade, aquilo tinha sido uma tentativa homicida de um marido traído. O esporte preferido de Oliveira era espiar os
decotes alheios. Na mesa do bar, costumava
assumir numa satisfação profunda:
-Sou canalha, compreende? Sou raro nos dias de hoje. Um
canalha genuíno!
.
Em uma tarde quente de feriado,
enquanto o marido da vizinha foi prestigiar a procissão da padroeira da cidade,
Oliveira aproveitou e adentrou a casa do lado. Desabotoando cada botão e aos
poucos revelando a cicatriz que ostentava, a vizinha não resistia ao charme do
canalha e se entregava numa fragilidade de mulher apaixonada. No entanto, o que
os dois não esperavam é que o marido enganado voltasse mais cedo. Sem fazer
barulho abre a porta, suando na testa, pergunta sobre o traje a caráter da
procissão:
- Mulher, cadê minha camisa vermelha e verde? A santa tá chegan...
Nem deu tempo de terminar a
frase, flagrara os dois na cama. Seus olhos e garganta queimavam de ódio.
Oliveira fornicava numa agilidade equina. Ainda demorou uns quatro a cinco segundos
para o canalha perceber o marido numa cólera infernal na porta do quarto. Ao entender o que
acontecia, Oliveira saiu correndo pelado, com uma destreza atlética subiu na
janela e saltou para o telhado da casa.
Houve então a cena chocante.
A procissão passava naquele instante e todos os fiéis pararam para observar o
corpo magro de Oliveira, pelado se equilibrando, tentando subir no telhado.
Alguns definiram a cena de “A versão masculina de Gabriela” personagem de Jorge
Amado. As senhoras de idade, atônitas, repetiam em uníssono “Que indecência!”, as mulheres fingiam tapar os olhos, os homens esbravejavam enciumados, os homossexuais gostaram, as crianças
choravam ao ver aquela horripilante situação e cada um teve seu ato particular
de estupefação ao visualizar numa posição desprivilegiada (de baixo pra cima) o corpo magro totalmente nu de
Oliveira, o canalha.
.
Dias depois numa mesa de bar, Oliveira estava sendo criticado por seus amigos quase como um
coral de capela, todos classificavam que o canalha passara dos limites e que sua
bandalheira vida o fazia um homem imoral, as margens dos padrões da sociedade
atual. Em silêncio, o canalha só ouvia e quando todos calaram esperando suas
palavras de defesa acendeu um cigarro, deu duas tragadas superficiais com um olhar distante fingindo
reflexão, apagou o cigarro no cinzeiro, levantou-se e disse numa satisfação
profunda:
- A virtude é bonita, mas
exala um tédio homicida.
E foi em busca de mulheres
casadas na ânsia de saciar seu desejo eterno de canalha.
Moisés Couto