Nas dezenas de viagens que
fiz entre minha querida Mossoró e a capital pernambucana, já vivenciei várias
situações embaraçosas, e por que não dizer embaraçosíssimas? Já conheci e não
conheci várias personalidades que iam à cadeira ao lado. É inevitável trocar
duas palavras. Um “licença” ou um “desculpe”. Mas a última companhia de viagem
foi de uma excentricidade singular. Conto-lhes.
Antes de propriamente sentar
na cadeira, ainda conferindo o numeral impresso no bilhete e na poltrona, o
homem atrás de mim tratou de se apresentar sem cerimônia, ou por outra, com
muita cerimônia:
- Opa, companheiro. Com
licença.
E antes que eu me virasse
pra ver o rosto da figura, declarou seu nome numa satisfação e orgulho
profundo, como se fosse ele mesmo que escolhera:
- Almeida, muito prazer.
O primeiro nome eu dispenso,
nem me lembro. Minto, me lembro sim, mas não importa. Esse sobrenome de
personagem principal das tragédias de “A Vida Como Ela É” já traz um efeito de
jornal dos anos 60.
Apertei a mão de Almeida, ou
melhor, ele apertou a minha, com virilidade juvenil, apesar dos seus cinquenta
e poucos anos. Tratou de iniciar o bate-papo e como toda conversa começou pelas
perguntas primárias. Nome, idade, o que fazia da vida, de onde vinha, pra onde
ia, etc etc. Eu, com as confissões de Nelson Rodrigues na mão, não podia ler. O
falastrão não deixava, comecei a ficar impaciente.
Meu companheiro de viagem
falava alto, dionisíaco. Falava tanto e tão rápido que se ruborizava, limpava o
suor da testa com o dorso da mão. Mas Almeida não era um cara qualquer. Sua vida
é recheada de superação e vitória. Ouvi aflito as tribulações da vida de
Almeida e quase comemorei junto dele suas glórias. Com sua capacidade intelectual invejável,
Almeida discorria histórias de vida exemplares que guardarei em minha memória. Já me sentia a vontade ouvindo o entusiasta.
Em dado momento Almeida
parou. Assim como inesperado tinha sido o início da conversa, inesperado foi
seu término. Almeida envolto de um lençol alvo-azul dormiu um sono perene. E depois disso a viagem foi tranquila e
silenciosa como desde o início eu pretendia. Porém, quando o silêncio e a
escuridão tomaram conta da viagem, senti falta das histórias impressionantes da
vida de Almeida. Imaginei a improbabilidade de tê-lo como companheiro de viagem
novamente, e por isso pensei em acordá-lo e pedir que contasse mais e mais
histórias, mas não tive coragem de interromper o sono sereno de Almeida, que de
tão profundo, nem parecia mais haver vida naquele corpo. Ele descansava do
trabalho árduo de convencer o desconhecido companheiro de viagem, que a vida é
uma viagem sublime onde não há espaço para silêncio, escuridão e solidão.
Moisés Couto