segunda-feira, 25 de abril de 2011

UM POUCO DE ATENÇÃO

Domingo 15h30min. A mulher de Epaminondas chega da rua, invade a sala e consegue desviar a atenção do marido da televisão:

- Amor, o que achou? – Matilde da uma viradinha e espera o comentário do marido.

Epaminondas foi pego de surpresa, se concentra, agora o copo de cerveja na mão tem que esperar. Ele observa a mulher dos pés à cabeça, mas não consegue identificar o que há de diferente.

- Você está usando óculos agora?

- Faz seis meses que eu uso óculos, seu grosso! Eu sabia que você não ia reparar meu “cabelo novo”.

- Eu ia falar isso agora.

- Você não me ama mais. Não repara nada em mim! Não me dá a mínima atenção!

- Claro que eu reparei, amor.

- Mentira!

- Como não reparar nesse cabelo castanho que amo!

- Não é castanho, seu ignóbil! Eu pintei de acaju neutro com mexas ruivo leve inteligente. Está vendo? Você não está nem ai pra mim!

- Mas amor, você agora está linda! É o que importa!

- Ah é? Quer dizer que antes eu não era?

- Não, era linda!

- Eu não era linda? Grosso!

- Não!!! Eu coloquei a vírgula. Não, vírgula, você era linda. Esse “não” foi pra negar o que eu tinha dito antes, entendeu?

- Claro que eu entendi. Você além de não me reparar de não me dá atenção ainda não me achava linda!

- Antes você era a mais linda do mundo, meu amor.

- Tá vendo? Antes! Antes é passado, quer dizer que meu cabelo novo está horrível, você preferia o antigo!

- Não é assim!

- Você ainda afirma, cachorro!

- Não! Eu falei sem vírgula! Não, sem vírgula, é assim! NÃO É ASSIM!

- Nosso casamento está indo por agua abaixo porque você não me dá mais atenção, não  repara nada em mim.

- Isso não é verdade Matilde, vem cá me dá um abraço!

Epaminondas coloca o copo de cerveja no banquinho ao lado dos enroladinhos de queijo, se levanta, abre os braços com a esperança de que um abraço acabe com toda aquela discussão, Matilde vira-se vai e para a cozinha com a esperança que ele venha atrás dela para bajular um pouco e acabe com aquela sua sensação de desamor. Porém, a vinheta da televisão toca, são 16h00 vai começar o futebol. Epaminondas senta novamente em sua poltrona e encerra a discussão:

- Aproveita que você está ai e trás uma cerveja, porque essa aqui esquentou!

Moisés CouTo 

terça-feira, 12 de abril de 2011

CARAMELO UM, DOIS, TRÊS

O Zé Irinaldo era um homem de conversas mirabolantes. Histórias loucas saiam de sua boca e ninguém acreditava. Já contara que foi pesquisador de nanotecnologia, chefe de estado na Mongolia, jardineiro da princesa Diana, etc. Mas sua última história com certeza foi a que mais me intrigou. O Zé contou que esteve na Guiana Francesa e visitou a tribo dos Namandauê. Era uma tribo composta de homens de cor parda com cara de índio. Na reunião depois de sacrificar mais um bagre, como de costume, deram inicio a pauta do dia. O mestre dos Namandauê, o patriarca Chinlê Abaulêh, disse que teve mais um sonho que viria a se tornar real. Depois de sonhar com o 11 de setembro, e com as tsunamis o Chinlê Abaulêh sonhara como seria o fim do mundo. Todos estavam atentos na história o Zé Irinaldo que, de repente, calou-se. Acendeu um cigarro e disse que era sigilo o que soube naquela reunião na Guiana Francesa. Quando a turma curiosa insistiu, o Zé apenas destacou que quando perguntassem a qualquer um de nós qual era a senha, deveríamos responder sem titubear: “Caramelo um, dois três”. A turma toda caiu em gargalhada, o Almeidão teve até falta de ar e foi preciso chamar a SAMU. Depois desse dia o Zé Irinaldo se tornou mais sorumbático, não nos contava mais histórias, mas ele não parecia sem inspiração. Certa vez, quando perguntado por que acabara com as histórias, nos contou que o patriarca Chinlê Abaulêh foi até sua casa e ordenou que ele parasse de contar ensinamentos aos jovens. E todos, mais uma vez, zombaram da cara do Zé Irinaldo, eu também não resisti e fiz o mesmo. Mas na hora de dormir, toda aquela história de fim do mundo e senha não saía da minha cabeça. Até que adormeci e sonhei que estava nos Andes peruanos, só eu e o Chinlê Abaulêh sentados no cume de uma montanha, com vários condores sobrevoando nossas cabeças. No sonho o patriarca Abaulêh me alertara com voz mansa a senha que era pra ser dita quando os inimigos chegassem: “Caramelho uno, dós, três! Tienes que decir para los enemigos”. O sotaque portenho só aumentou o clima tenso daquela visão. Acordei assustado, apreensivo. Na manhã seguinte estava com a senha na ponta da língua para caso os inimigos me perguntassem. Enquanto caminhava no centro da cidade, um homem de barba branca que de tão enorme ia até o umbigo estava pedindo esmola, quando me aproximei ele me olhou estranho, sua sobrancelha tentava inutilmente esconder seus olhos azuis e com uma voz rouca ele perguntou:

- Qual a senha?

- Caramelo um, dois, três!! – gritei.

Todos no centro da cidade pararam e olharam em minha direção com sorrisos marotos em seus rostos, inclusive o mendigo. Até que uma mulher magra de cabelo cacheado se aproximou e disse:

- Calma, filho. O guerreiro Zé Irinaldo eliminou todos os inimigos, o mundo não vai mais acabar  estamos sãos e salvos. Essa senha já pode ser esquecida, agora o mundo está em paz graças ao grande guerreiro Zé.

Depois que a mulher se calou, o mendigo - que estava só tirando onda com minha cara -  puxou o grito:

 - Viva o guerreiro Zé Irinaldo, que nos salvou a vida!!

E todos responderam em um só coro:

- Viva!

A única coisa que vinha na minha cabeça era: “A turma não vai acreditar nisso”. 

.

Esta é uma história real. Exceto a parte de chamar a SAMU pra socorrer o Almeidão, na realidade foi apenas uma dispneia passageira.

Moisés CouTo

sexta-feira, 1 de abril de 2011

DESTINO DE ESPERMATOZÓIDE

O murmurinho era grande, todos aqueles milhares de espermatozoides não viam a hora de correr para a fecundação. A ansiedade era imensa dentro de suas microscópicas cabeças. As conversas enquanto esperavam o dia “D” não podiam ser outras: O próprio dia da fecundação, dúvidas, ansiedade e possíveis histórias vividas por outros espermatozoides eram os assuntos mais frequentes.  

- Eu só sei que é uma corrida. Quem chegar primeiro, vive!

- E se der empate?

- Me parece que mais de um entra, foi a X876 que me contou, mas não sei se é verdade.

No meio da conversa a temperatura escrotal aumenta, é o sinal, chegou a hora em que todos aqueles milhares esperavam. De repente uma força maior os empurra para fora de seu habitat, sentiram uma sensação de liberdade inédita, mas não era hora de gozar – sem trocadilho – aquele momento, era a hora de trabalhar, de correr para a vida, de buscar o seu lugar ao sol, digo, ao óvulo. Depois de alguns segundos, Y09 e Y746 se encontraram em um local insólito, era tudo muito escuro, as paredes meio avermelhadas, a cena ao redor era aterrorizante muito de seus amigos pelo caminho, alguns com partes arrancadas, mas eles só pensavam na missão em que foram destinados. O local oco multiplicavam suas vozes num eco aterrorizante, o líquido onde estavam mergulhados parecia queimar seus frágeis corpos, não viam nada parecido com óvulo apenas dejetos alimentares, não entendiam a situação. Antes de se desesperarem avistaram chegando uma célula de roupa camuflada em cima de um microscópico cavalo branco. Em sua farda estava bordado seu nome com tinta preta: “Sgtº. Anticorpo 02”. A célula de defesa observou rapidamente aqueles dois espermatozóides assustados, pegou seu rádio e comunicou aos outros:

- Missão cancelada, não precisa mandar mais ninguém. São apenas dois espermatozoides... Pois é, mais uma vez, fazer o quê, né? Câmbio.

Y09 indagou-lhe:

Onde estamos, onde está o óvulo, quem é você?

- Calma filho, infelizmente está complicado de você achar o óvulo por aqui, esse é o estômago da mulher a quem eu sirvo.

Y09 chorou amargamente, o homem de onde ele veio fez o que todos os espermatozóides consideravam grande desfeita, pois não os aproveitaram para a fecundação. Y746 parecia está mais conformado com aquele triste fim, tentando confortar o amigo, disse:

- Tudo bem, pelo menos estamos dentro de uma mulher. Ouvi dizer que alguns espermatozoides além de não serem aproveitados para a fecundação foram para um local estranho sem nenhuma mulher por perto.

Y09 ainda não se conformara com a desfeita, Y746 ainda proferiu as últimas palavras em defesa do homem:

- Não se lembra da história do Y120? Outros espermatozoides foram parar num local gosmento de odor fétido e cheio de excrementos fecais, tão nojento que morreram sem nem saber onde estavam.

Agora sim, o espermatozóide Y09 deu seu último suspiro e morreu - ou não nasceu - aliviado.



Moisés CouTo