segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O MORTO


Há poucos anos tive a oportunidade de conhecer a cidade mais bela do Brasil. Ah, o Rio de Janeiro e todas suas belezas naturais. Mas, foi lá onde passei umas das situações mais embaraçosas da vida.

Estava a conhecer a Praia Vermelha. De prestígio bem menor do que a inexpugnável Copacabana. Uma praia de pequena extensão, limitada por dois grandes morros em suas extremidades (Urca e Babilônia). O meio de semana e o dia nublado talvez espantasse o público da praia. Havia pouquíssima gente. Alguns caminhando em um pequeno calçadão e uma turma de seis ou sete jovens jogando voleibol descontraidamente nas areias. Tudo parecia naturalmente estável até que um fato me chamou bastante atenção. Sobre o pequeno calçadão daquela praia havia um homem deitado cabulosamente. Envolto de um pano preto que lhe cobria dos joelhos até as sobrancelhas, deixando-se mostrar sua testa enrugada, o que transparecia seus quarenta e poucos anos. Um homem deitado, imóvel, insólito bem no meio de um calçadão de uma praia paradisíaca. A estranheza daquela cena não despertou em mim outra dúvida senão: “Será este um homem morto?” Perguntei reciprocamente sem emitir som e me aproximei daquele corpo estendido. Meu primo que me acompanhava na então viagem turística, fazendo jus a idade mais velha, alertou-me com espírito de proteção: “Se afasta, vai que ele acorda e te ver ai perturbando-o, pode ser perigoso”. Afastei-me e a dúvida só aumentou. Passei, atônito, alguns minutos observando o homem e pensando: “Não é possível, deve estar dormindo, ou será morto? Não tem como ser um morto no meio de uma praia do Rio de Janeiro, um corpo sem vida ficar aqui assim, ao léu. E toda essa gente jogando vôlei, caminhando e passando ao lado dele, não percebeu? Morreu de que? Fome? Sede? Uma bala perdida rasgou seu peito? Morte “morrida” ou morte “matada”?” Tive um momento de lucidez: “Onde estou com a cabeça? Não tem a menor condição desse homem ser morto. Melhor sair de perto, se não ele acorda e pode ser realmente perigoso, afinal o Rio de Janeiro sabidamente é muito violento".

Alguns dias depois, já no conforto de minha cidade natal assisto o tele jornal mais visto da emissora mais famosa do Brasil e surpreendentemente vem a notícia. As imagens da praia e do homem sobre o chão envolto do pano preto que agora passavam na televisão ainda eram muito frescas em minha cabeça. Perplexo, acompanhei num misto de surpresa e ansiedade a notícia dada por uma, sempre, libidinosa jornalista da Rede Globo:

“Descaso! Homem morto passou dois dias envolto de um pano preto em plena Praia Vermelha no Rio de Janeiro, sem ser retirado pelos órgãos públicos competentes e numa impressionante indiferença alheia. Onde está o comportamento humano para com o próximo? Por onde anda o respeito aos direitos huma....”

Minha cabeça se desprendeu da notícia anunciada na televisão e eu só pensava em uma coisa: “Pasme, aquele realmente era um homem morto”.


Foto: Michel Filho


Moisés Couto

sábado, 3 de dezembro de 2011

PORTUGUESES ESPERTOS


Nunca concordei com esse comportamento, por parte de nós brasileiros, de ofender os portugueses de “burros”. Sinceramente, nunca os vi fazendo asneiras. No máximo, as mesmas estupidezes que todo país compartilha. Um período de crise, um chefe de estado mal eleito, um escândalo de repercussão mundial, enfim. Já ouvi anedotas surreais a respeito dos portugueses, de atitudes ignorantes inaceitáveis que nem o mais palerma da terra poderia cometer. Eu na pele deles ficaria bem tempestuoso. Mas, pensado bem, enquanto chamamo-los de “burros” eles nem se incomodam, imagino que matutam para si a história de quinhentos anos atrás que, na verdade, fazem deles os legítimos zombadores e de nós os verdadeiros zombados.

O país deles invadiu o nosso, mudou toda a nossa cultura e crença da época, fez toda população trabalhar para encher os bolsos de seus mandatários e ainda tiveram conjunção carnal com nossas esposas na nossa frente, que distraídos, nem reclamávamos, pelo contrário, ficávamos pacatos admirando-nos de fronte a um espelho manchado de imundície europeia que contaminou toda a nossa pureza indígena. Chamá-los de "burro" me parece uma forma de atingir de alguma forma quem nos fez mal, porém sem sucesso, assim como crianças birrentas que tentam atingir o chacoteador mais velho, ou mulheres abandonadas que passa em frente ao antigo caso acompanhada de um amigo gay tentando fazer ciúme a quem não te ama mais - impossível.

Deixemos os xingamentos de “burros” de lado, vamos baixar nossas cabeças e fingir que não conhecemos essa gente cruel e selvagem que estuprou nossas tataratataratataratataravós.  

Moisés CouTo