Há poucos anos tive a
oportunidade de conhecer a cidade mais bela do Brasil. Ah, o Rio de Janeiro e
todas suas belezas naturais. Mas, foi lá onde passei umas das situações mais
embaraçosas da vida.
Estava a conhecer a Praia
Vermelha. De prestígio bem menor do que a inexpugnável Copacabana. Uma praia de
pequena extensão, limitada por dois grandes morros em suas extremidades (Urca e
Babilônia). O meio de semana e o dia nublado talvez espantasse o público da
praia. Havia pouquíssima gente. Alguns caminhando em um pequeno calçadão e uma
turma de seis ou sete jovens jogando voleibol descontraidamente nas areias. Tudo
parecia naturalmente estável até que um fato me chamou bastante atenção. Sobre
o pequeno calçadão daquela praia havia um homem deitado cabulosamente. Envolto de
um pano preto que lhe cobria dos joelhos até as sobrancelhas, deixando-se mostrar
sua testa enrugada, o que transparecia seus quarenta e poucos anos. Um homem
deitado, imóvel, insólito bem no meio de um calçadão de uma praia paradisíaca. A
estranheza daquela cena não despertou em mim outra dúvida senão: “Será este um
homem morto?” Perguntei reciprocamente sem emitir som e me aproximei daquele
corpo estendido. Meu primo que me acompanhava na então viagem turística, fazendo
jus a idade mais velha, alertou-me com espírito de proteção: “Se afasta, vai
que ele acorda e te ver ai perturbando-o, pode ser perigoso”. Afastei-me e a
dúvida só aumentou. Passei, atônito, alguns minutos observando o homem e
pensando: “Não é possível, deve estar dormindo, ou será morto? Não tem como ser
um morto no meio de uma praia do Rio de Janeiro, um corpo sem vida ficar aqui assim, ao léu. E toda essa gente jogando vôlei, caminhando e passando ao lado
dele, não percebeu? Morreu de que? Fome? Sede? Uma bala perdida rasgou seu peito? Morte “morrida”
ou morte “matada”?” Tive um momento de lucidez: “Onde estou com a cabeça? Não
tem a menor condição desse homem ser morto. Melhor sair de perto, se não ele
acorda e pode ser realmente perigoso, afinal o Rio de Janeiro sabidamente é
muito violento".
Alguns dias depois, já no
conforto de minha cidade natal assisto o tele jornal mais visto da emissora
mais famosa do Brasil e surpreendentemente vem a notícia. As imagens da praia e
do homem sobre o chão envolto do pano preto que agora passavam na televisão
ainda eram muito frescas em minha cabeça. Perplexo, acompanhei num misto de
surpresa e ansiedade a notícia dada por uma, sempre, libidinosa jornalista da
Rede Globo:
“Descaso! Homem morto passou
dois dias envolto de um pano preto em plena Praia Vermelha no Rio de Janeiro,
sem ser retirado pelos órgãos públicos competentes e numa impressionante
indiferença alheia. Onde está o comportamento humano para com o próximo? Por
onde anda o respeito aos direitos huma....”
Minha cabeça se desprendeu
da notícia anunciada na televisão e eu só pensava em uma coisa: “Pasme, aquele
realmente era um homem morto”.
Foto: Michel Filho
Reportagem sobre o caso: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL696172-15607-157,00.html
Moisés Couto