segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

VIDA DE CÃO

Aos 20 anos de idade Severino não teve escolha, depois de muito relutar acabou acatando as ordens do pai, deixou a pequena Nazarezinho no interior da Paraíba e rumou ao Rio de Janeiro em busca de trabalho. Ao chegar à capital fluminense, Severino logo arrumou emprego na construção civil, graças ao conhecimento na área adquirido na vida de servente de pedreiro que levava com seu pai. Não faltava trabalho para o imigrante nordestino, era expediente corrido de manhã e de tarde apenas com uma breve parada para o almoço, a noite não tinha  forças para nada, chegava em seu cubículo no Albergue do Alfredão tomava um banho frio no chuveiro coletivo e apagava em sono pesado sobre sua cama dura. Todo dia a mesma rotina, acabava uma construção e Severino logo era chamado para outra, eram horas de trabalho duro debaixo de sol causticante e chuva gelada. Assim levava sua difícil vida em busca do suado dinheirinho.

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Depois de dois meses de trabalho direto até nos finais de semana, Severino teve um folga. Pegou metade do dinheiro que ganhara ligou para a família de um orelhão e depois foi passear. Tomou um ônibus na parada mais próxima e foi direto à praia de Copacabana. Chegando, Severino ficou bestializado com aquela obra prima, a união da natureza representada pelo mar, e o homem representado por todos aqueles altíssimos prédios da Av. Atlântica. Severino olhava para o alto, atônito, admirando uma paisagem que nunca vira antes. Até que sentiu algo frio e molhado em seu pé calçado por um chinelo velho, voltou a si e olhou para baixo era um poodle alvo como roupa de anjo lambendo seus dedos, atraído pelo mau odor que exalava do pé de Severino. Antes que pensasse qualquer coisa, uma senhora grita:

- Menino, ai está você!

A senhora segurou firme, dessa vez, na coleira do cachorro e ordenou o cão, como se ele entendesse:

- Menininho levado, peça desculpas ao homem.

- Não precisa – falou Severino quase pedindo desculpas ao cachorro.

A senhora interrompeu o passeio com o cão e aproveitou para conversar com Severino enquanto descansava:

- Ele fica assim mesmo, quando sai para passear parece um louco, deve ser pelo espaço lá da nossa casa. Nós moramos ali – apontou a senhora para o último andar do prédio a beira-mar - na cobertura, lá é bem grande, mas não é o bastante para ele, tem que passear. Toma banho de piscina três vezes por semana, tem um quarto só pra ele com cama recheada de pena de ganso, come três vezes por dia ração de filet, maminha e picanha, cruza duas vezes por semana com cadelas diferentes, o veterinário disse que tiraria o estresse dele, mas também confesso que dorme muito. Sempre a essa hora passeio com ele, ele adora a praia, esse calçadão. Vimos todos os dias.  


Severino ouvia tudo aquilo boquiaberto e a senhora continuava:

- Toda quinta feira tem a visita ao veterinário depois tosa e banho. Inclusive estamos atrasados. Bem, foi bom conversar com você, vou indo, vamos Rodolfo diga tchauzinho para o moço.

E a senhora se foi com seu poodle saltitante, que de tão limpo refletia a luz do sol. Severino, pasmado e pensativo, observava aquele cão indo embora. Olhou mais uma vez a cobertura que o cão morava, no prédio mais alto da Av. Atlântica em Copacabana, inspirou profundamente e suspirou:

- Ah, como eu queria ser aquele cachorro.

Moisés C. CouTo

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