quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

LAJES

Quando eu era criança a palavra ‘Lajes’ tinha apenas três significados: Parar, descansar e comer. Isso era fato porque Lajes-RN é a principal cidade que serve de ponto de apoio e parada da movimentada BR-304 que liga Mossoró à Natal. Todos que passam por essa rodovia, na maioria das vezes, param na cidade de Lajes para fazer um lanchinho, ir ao banheiro, “esticar as pernas” e descansar um pouco da longa viagem. Comigo e minha família não era diferente, sempre parávamos para ir ao banheiro e depois fazer um lanche, era a rotina de sempre na parada rápida.    
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Certa vez, ainda quando criança, eu e minha família viajávamos para a capital e como sempre eu aguardava ansiosamente a parada na cidade de Lajes devido aquelas macias e cheirosas torradas de queijo que comíamos na escala. Geralmente uma viagem de carro causa muita fome, quando se é criança então, este fato parece triplicar-se. Dessa vez foi um pouco estranho. Paramos em Lajes descemos todos, porém, fui só ao banheiro - onde apreendi boa parte dos palavrões que sei hoje, lendo os dizeres carinhosos nas paredes sujas – depois de descobrir mais quatro palavrões enquanto urinava, terminei, não lavei as mãos e fui correndo buscar minhas suculentas e macias torradas de queijo. Quando cheguei à lanchonete, minha família não estava mais lá, procurei em todos os lugares, em vão. “Eles me esqueceram” pensei. Com lágrimas nos olhos perguntei a um senhor que sentava em um banco de madeira, descrevi o carro de meu pai, e ele informou que este acabara de sair. As lágrimas escorreram e chorei, e o velho nem parecia se importar, tomava um resto de sorvete roxo, devia ser de uva, pedi ajuda e ele disse:

- Para de chorar guri, senta e toma este sorvete que eu te ajudo a sobreviver aqui, tchê.


O velho tinha um sotaque gaúcho carregado, contara que quando criança viajava de caminhão com seu pai, vinha de Pelotas para Fortaleza, o pai dele também o esquecera naquele local já fazia 54 anos. Viveu toda sua vida ali, comendo o resto dos alimentos deixados pelos viajantes. “Se queres viver, me segue guri”. E assim foi minha vida, comendo o resto de comida que os viajantes deixavam, brigando com cachorros e gatos, fiquei sujo, cabelo grande, mau hálito, os poucos dentes que tinha ficaram podres. Tinha fome, o pouco alimento não me saciava. Estava perdido! Para dormir o velho me arranjou uma caixa de papelão que embrulhava lixo da lanchonete. De manhã sempre ficava admirando através do vidro aquelas torradas macias e suculentas com cheiro gostoso de queijo quente que me faziam salivar, mas nunca comia, nenhum viajante deixava resto de torradas nos pratos, elas eram deliciosas demais para isso acontecer. Chorava baixinho à noite, se o velho escutasse brigava comigo.  Não aguentava mais aquela vida, minha fome era imensa, até que um dia minha família voltou da capital, corri de felicidade, mas eu estava tão sujo e diferente que eles não me reconheceram. Chorei ainda mais, a fome apertava, gritei alto, até que uma voz protetora disse:

- Acorda meu filho, o que houve? Está sonhando?

Era a minha mãe, tudo aquilo era apenas um pesadelo - a viagem causa muito sono até para quem dirige, imagine para uma criança deitada no banco de trás - e então com muita fome em vida real, que parece ter influenciado a fome do pesadelo, perguntei a minha mãe:

- Já passamos de Lajes?

- Ainda não, meu filho.

Então suspirei aliviado:

- Ainda bem.
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Hoje em dia “Lajes” têm muitos significados:

Plural de obra continua de concreto armado a qual substitui sobrado, teto de um compartimento ou piso. Revestimentos de parede e túmulos. Pedras lisas, chatas e largas, de grandes dimensões. Parar, descansar e comer.


Moisés C. CouTo

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