quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

CIUMENTO

Cioso casado com Natasha e Paulo casado com Mariza. Eram dois casais amigos. Amizade que se fortificou quando os dois casais mudaram de cidade, graças a uma promoção dos homens na empresa de telecomunicações. Cioso e Paulo sempre foram amigos desde a juventude até os dias de hoje. Depois que conheceram suas respectivas mulheres e se casaram, não foi diferente.  Cioso sempre foi ciumento, porém com o passar do tempo se tornou mais ainda, o ciúme normal tornou-se doentio. Deve ter sido pela ação natural da velhice. A senescência foi mais agressiva com Cioso, ele ficou gordo, careca, diabético, hipertensivo, usava óculos fundo de garrafa e aparelho de audição. Ao contrário do melhor amigo. Mas não podia ser diferente, Paulo sempre cuidou da saúde, desde cedo sempre malhou, visitava o médico com frequência, só bebia vinho e raramente um whisky doze anos, e ultimamente fazia até pilates.

- Pilates, Paulo?


- Tonifica os músculos malhados da academia. Você devia fazer.


- Não vem com frescura pra cima de mim, prefiro minha cervejinha.

Nenhum fio de cabelo caiu da cabeça de Paulo, sua barriga era dura como um tanque de lavar roupa, enquanto Cioso era gordo, e tinha mais pneus do que um caminhão, contando até com o "estepe". Devido a isso Cioso se tornou inseguro em seu relacionamento, não queria mais que a mulher saísse sozinha, desconfiava até do entregador de água, afinal ele era jovem e viril, era forte e tonificado, não do pilates, mas de tanto carregar água e gás. Até os encontros tão amistosos com o casal amigo virou motivo de insegurança.

- Eu vi como você olhava pro Paulo – Falava Cioso com tom de inveja do corpo do melhor amigo.

- Cioso, você está ficando louco? Paulo e Marisa são nossos amigos, como você pode imaginar essas coisas?

A partir daí só foi piorando. Cioso estava doente. Imaginava que Natasha sua esposa fiel, flertava até com o Seu Borba, senhor de 72 anos que morava no apartamento vizinho. Em mais um jantar entre o casal de amigos no requintado restaurante da cidade, Cioso fez cena:

- Tenha vergonha Natasha – falou Cioso levantando da cadeira – flertar com meu melhor amigo, veja que ele nem dá bola pra você!

Aquilo foi o estopim. Cioso estava doente, era um ciúme doentio mesmo. Com a ajuda de Paulo e Marisa, Natasha conseguiu levar Cioso para uma terapia com um renomado psicólogo da cidade que se dizia curador de insegurança e ciúme doentio, depois de muita reluta, Cioso aceitou.
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No começo, mesmo em terapia, ele não aceitava que Natasha fosse comprar pão, quando o entregador entrava em seu apartamento, ela tinha que ir para o quarto. Receber a pizza do entregador, jamais. Natasha entendia, ele estava doente e em tratamento. O tratamento foi fazendo efeito, Cioso não gostava de falar o que havia naquela sala durante as sessões, uma vez falou algo relacionado à fidelidade das mulheres das cavernas e os dez mandamentos. Mas, o que realmente importava era que estava fazendo efeito. Depois de dois meses de tratamento, Cioso começou a melhorar. Natasha já podia abrir a porta para as visitas e  receber a pizza, ela fez festa quando depois de três meses de tratamento ela pôde ir à casa da vizinha pedir sal emprestado. Paulo e Mariza voltaram a visitar sua casa, Cioso não fazia mais escândalos, seu ciúme foi diminuindo, se tornou normal, como reclamar de uma saia muito curta da esposa. Até que chegou o último dia de terapia. Cioso nem quis que a mulher fosse com ele:

- Meu último dia. Preciso mostrar um feedback positivo pro terapeuta.

Natasha sorriu orgulhosa.
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Enquanto Cioso estava em seu último dia de terapia. Paulo, Mariza e Natasha arrumaram o apartamento para comemorar. Era um pedido do psicólogo, fazia parte do final do tratamento - a aceitação do paciente perante a esposa; a confraternização entre amigos comprovando que a mulher podia interagir com outras pessoas e a inspiração final em contrapartida a expiração final observando a esposa ao redor de outros - a terapia era esquisita mesmo. Compraram alguns salgadinhos, colocaram umas fotos do casal nas paredes e bastante vinho. O vinho tinto de Toscana oito anos, Seduzione, parecia saboroso. Paulo não resistiu tomou um gole e suspirou:

- Ahh.. está saboroso.

Nem esperaram Cioso chegar e as mulheres acompanharam Paulo no vinho. Começaram a beber:

- Só mais um copo - dizia Mariza com sede.

- Só mais uma garrafa – disse Natasha, enxugando os lábios com a lingua.

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Cioso terminou seu último dia. Aplaudido pelos funcionários – ritual repetido por todos os funcionários da clínica quando o psicólogo curava mais um paciente  - ele caminhava para ir embora e antes de cruzar a porta se virou para trás e disse:

- Estou curado! Obrigado a cada um de vocês!

Uns emitiram gritos uivosos, desejaram-lhe boa sorte, as palmas se intensificaram e o ex-ciumento foi embora. Cioso estava curado! Com essa afirmação no peito ele era só ansiedade para comemorar com a mulher. 

Ao chegar em casa notou várias garrafas de vinho abertas, caixa de salgadinhos abertas juntos com peças de roupa no chão. Foi até o seu quarto e se deparou com Natasha – sua esposa – Paulo – seu melhor amigo e Mariza - mulher do amigo  - todos pelados praticando uma orgia pervertida e suja. Os três degenerados exageraram na dosagem do vinho e acabaram perdendo a noção social. Cioso olhava incrédulo, em meio a lágrimas, àquela cena traumatizante. Ele não estava curado!

Moisés C. CouTo  

3 comentários:

  1. Ei, moisés.. muito bom esse conto! Me faz lembrar daquela velha máxima latina: in vino veritas!

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  2. Gostei Julius.. muito boa essa máxima!
    dava até pra ser o título do conto!!
    vou acatar quando escrever meu livro
    =)

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  3. "- Pilates, Paulo?"
    (hsauhsuahsuahsauh)
    Muito, muitoo bom esse!...

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