Sábado à noite a boate Curtição era sempre lotada, por causa disso Ernesto e Suely sempre iam para lá em busca de um relacionamento sério. Dizem que boate não é lugar para isso, mas Ernesto e Suely apelavam a qualquer coisa: boate, shows, barzinhos, bate-papo da uol, bordel – este último só no caso do Ernesto – o máximo que Suely fez foi assistir uma apresentação de um gogoboy vestido de bombeiro, mas o rapaz passara mal e morrera devido ao uso excessivo de anabolizante. Se você tem mais de trinta e cinco anos, assim com Ernesto e Suely, e ainda não casou e nem está noivo ou namorando, preocupe-se, pode ser tarde demais, ou melhor, desespere-se você pode ficar para a titia. Ernesto estava só preocupado, Suely estava desesperada mesmo, com algumas características de sofreguidão também. Naquela noite a boate estava - como Ernesto gostava de falar - “bombando”. A visualidade era dificultosa em virtude da baixa luminosidade e prejudicada, mais ainda, por uma fumaça que tinha um cheiro doce e era jogada no ar constantemente, a música não mudava muito, eram sons graves constantes aditados a uma letra musical de língua inglesa falando alguma obscenidade qualquer. Ninguém ouvia ninguém, os diálogos eram feitos através de gestos. Ernesto fez um sinal, para o amigo que o acompanhava, de quem segurava uma mangueira invisível no ar bem na frente do púbis e em seguida foi ao banheiro, após fazer sua necessidade foi até o balcão levantou o dedo indicador e logo depois o abaixou e no mesmo instante levantou o polegar levando em direção à boca, prontamente a funcionária da Curtição lhe deu uma cerveja e recebeu a ficha dele. Ernesto observava a boate ao seu redor balançando a cabeça para frente e para trás no mesmo compasso do som grave até que parou em Suely. Achou que fosse bonita, a pouca luz não ajudava na avaliação desse quesito, ficou-a observando e quando tomou coragem foi até ela. A conversa foi desastrosa, o som não permitia o entendimento claro das palavras:
- Olá, tudo bom? – iniciou Ernesto o diálogo embaraçoso.
- Hein? Replicou Suely, fechando os olhos e aproximando o ouvido à boca de Ernesto
- Tudo bem?
- Suely, e o seu?
- To bem também!
- Qual é seu nome?
- Trinta e cinco. Estava ali te observando, e vim até aqui só falar o quanto você é bonita, sabia?
- Legal, eu também sou professora. Sou formada em Biologia.
- Quer uma cerveja?
- Qual é sua idade?
- Não precisa tenho ficha aqui.
- Vim com uma amiga.
- É verdade eu nem me apresentei, meu nome é Ernesto.
- Você trabalha onde?
- Virgem, só o signo tá? hehehe.
- Quê?
- Oi?
- Ah tá.
- Tá frio aqui.
- No centro pertinho da Funerária Boa Viagem.
- Você é cheirosa também!
- Tenho sim, um Husky Siberiano.
- Essa? Foi de uma queda de quando eu era criança.
Mesmo o barulho da boate não permitindo o entendimento da conversa o papo durou bastante tempo. Até que em um momento o som deu uma pausa, era a troca de Dj’s - nunca vi diferença de um para outro, mas dizem que existe, por isso trocam de vez em quando - aproveitando a pausa, Ernesto engrossou a voz, tentou fazer uma feição de sensualidade e usou o golpe final:
- Vamos sair daqui e ir para um lugarzinho mais reservado, só nosso, o que você acha?
Suely, assim como todas as outras mulheres que ouvira aquilo antes, pensou: “Que investida horrível”, mas seus trinca e cinco anos e seus dois anos de prazer, somente, solitário pesaram e naquele momento ela aceitou o convite. Entraram no carro de Ernesto foram até o apartamento dele, ao chegar se dirigiram logo para a cama sem pronunciar uma palavra sequer e se amaram loucamente. A única coisa que se escutou dos dois após saírem da boate foram gemidos de cada um na hora do ápice da fornicação, primeiro ela depois ele.
.
Não demorou muito para eles se casarem. Os dois trabalhavam dois turnos, Suely ainda fazia doutorado à noite. Não tinham tempo para conversar, eram raros os diálogos com mais de cinco minutos entre os dois e quando aconteciam eram meramente objetivos. Recentemente, depois de trinta anos de casados, 65 anos de vida cada e raríssimas conversas se aposentaram e ficavam o dia todo em casa e devido ao tempo vago os diálogos surgiram. Porém esse foi o mal do casamento, ontem recebi a notícia de que resolveram desquitar-se.
Motivo: Não gostaram da conversa do outro.
Suely ainda disse à Ernesto, desapontada:
- Eu devia ter desconfiado quando você me veio com aquela conversinha de ir para um lugar mais reservado, só nosso. Francamente!
Moisés C. CouTo
Sofreguidão!?
ResponderExcluirFrancamente, você enriquece meu vocabulário! hashuhsuashuh
ficou legaal!