segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

POUCO DIÁLOGO

Sábado à noite a boate Curtição era sempre lotada, por causa disso Ernesto e Suely sempre iam para lá em busca de um relacionamento sério. Dizem que boate não é lugar para isso, mas Ernesto e Suely apelavam a qualquer coisa: boate, shows, barzinhos, bate-papo da uol, bordel – este último só no caso do Ernesto – o máximo que Suely fez foi assistir uma apresentação de um gogoboy vestido de bombeiro, mas o rapaz passara mal e morrera devido ao uso excessivo de anabolizante.  Se você tem mais de trinta e cinco anos, assim com Ernesto e Suely, e ainda não casou e nem está noivo ou namorando, preocupe-se, pode ser tarde demais, ou melhor, desespere-se você pode ficar para a titia. Ernesto estava só preocupado, Suely estava desesperada mesmo, com algumas características de sofreguidão também. Naquela noite a boate estava - como Ernesto gostava de falar - “bombando”. A visualidade era dificultosa em virtude da baixa luminosidade e prejudicada, mais ainda, por uma fumaça que tinha um cheiro doce e era jogada no ar constantemente, a música não mudava muito, eram sons graves constantes aditados a uma letra musical de língua inglesa falando alguma obscenidade qualquer. Ninguém ouvia ninguém, os diálogos eram feitos através de gestos. Ernesto fez um sinal, para o amigo que o acompanhava, de quem segurava uma mangueira invisível no ar bem na frente do púbis e em seguida foi ao banheiro, após fazer sua necessidade foi até o balcão levantou o dedo indicador e logo depois o abaixou e no mesmo instante levantou o polegar levando em direção à boca, prontamente a funcionária da Curtição lhe deu uma cerveja e recebeu a ficha dele. Ernesto observava a boate ao seu redor balançando a cabeça para frente e para trás no mesmo compasso do som grave até que parou em Suely. Achou que fosse bonita, a pouca luz não ajudava na avaliação desse quesito, ficou-a observando e quando tomou coragem foi até ela. A conversa foi desastrosa, o som não permitia o entendimento claro das palavras:

- Olá, tudo bom? – iniciou Ernesto o diálogo embaraçoso.

- Hein? Replicou Suely, fechando os olhos e aproximando o ouvido à boca de Ernesto

- Tudo bem?

- Suely, e o seu?

- To bem também!

- Qual é seu nome?

- Trinta e cinco. Estava ali te observando, e vim até aqui só falar o quanto você é bonita, sabia?

- Legal, eu também sou professora. Sou formada em Biologia.

- Quer uma cerveja?

- Qual é sua idade?

- Não precisa tenho ficha aqui.

- Vim com uma amiga.

- É verdade eu nem me apresentei, meu nome é Ernesto.

- Você trabalha onde?

- Virgem, só o signo tá? hehehe.

- Quê?

- Oi?

- Ah tá.

- Tá frio aqui.

- No centro pertinho da Funerária Boa Viagem.

- Você é cheirosa também!

- Tenho sim, um Husky Siberiano.

- Essa? Foi de uma queda de quando eu era criança.

Mesmo o barulho da boate não permitindo o entendimento da conversa o papo durou bastante tempo. Até que em um momento o som deu uma pausa, era a troca de Dj’s - nunca vi diferença de um para outro, mas dizem que existe, por isso trocam de vez em quando - aproveitando a pausa, Ernesto engrossou a voz, tentou fazer uma feição de sensualidade e usou o golpe final:

- Vamos sair daqui e ir para um lugarzinho mais reservado, só nosso, o que você acha?

Suely, assim como todas as outras mulheres que ouvira aquilo antes, pensou: “Que investida horrível”, mas seus trinca e cinco anos e seus dois anos de prazer, somente, solitário pesaram e naquele momento ela aceitou o convite. Entraram no carro de Ernesto foram até o apartamento dele, ao chegar se dirigiram logo para a cama sem pronunciar uma palavra sequer e se amaram loucamente. A única coisa que se escutou dos dois após saírem da boate foram gemidos de cada um na hora do ápice da fornicação, primeiro ela depois ele.
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Não demorou muito para eles se casarem. Os dois trabalhavam dois turnos, Suely ainda fazia doutorado à noite. Não tinham tempo para conversar, eram raros os diálogos com mais de cinco minutos entre os dois e quando aconteciam eram meramente objetivos. Recentemente, depois de trinta anos de casados, 65 anos de vida cada e raríssimas conversas se aposentaram e ficavam o dia todo em casa e devido ao tempo vago os diálogos surgiram. Porém esse foi o mal do casamento, ontem recebi a notícia de que resolveram desquitar-se. 

Motivo: Não gostaram da conversa do outro. 

Suely ainda disse à Ernesto, desapontada:

- Eu devia ter desconfiado quando você me veio com aquela conversinha de ir para um lugar mais reservado, só nosso. Francamente!

Moisés C. CouTo

Um comentário:

  1. Sofreguidão!?
    Francamente, você enriquece meu vocabulário! hashuhsuashuh
    ficou legaal!

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