terça-feira, 18 de setembro de 2012

A TRAÍDA RODRIGUEANA


- Me trai!

Era o que Antonieta dizia a si, em meio tom, enquanto deslizava a esponja úmida no prato sujo. Nos últimos dias, seu marido mudara de comportamento. Frio e rígido como uma pedra de gelo, ele não dirigia mais palavras de carinhos à esposa, na verdade, ele diminuiu muito o tempo de qualquer simples conversa com a mulher.  Ela, que esbanja uma feminilidade extrema, percebera bem a mudança do esposo. Resolveu desabafar com a vizinha e melhor amiga:

- Ele me trai! Eu sei que me trai.

Antonieta deixava escorrer uma lágrima que traçava em seu rosto macio um caminho triste do olho até seu lábio inferior trêmulo. Mas a vizinha se dispôs a consolá-la.

- Amiga, que mal há? Pois fique sabendo que eu descobri há algum tempo que meu esposo me trai e, de lá pra cá, minha vida melhorou muito.

- Como assim?!

E a vizinha retrucava:

- Nunca ouvistes aquele ditado: “Quanto mais infiel, melhor o marido”?

- Você só pode estar louca!

- Não, amiga. A infidelidade só ajuda no matrimônio conjugal. É batata! Ouça bem, depois que descobri que meu marido me trai, ele passou a ser um doce, compreende? Enche-me de presente, de carinho, de afago. Nunca mais esqueceu meu aniversário. Digo mais, nunca mais esqueceu nossa data de casamento. Acredita?

Antonieta ouvia a tudo atônita. A vizinha continuou:

- Olha, tá vendo esse vestido?

- É lindo!

- É. Foi ele quem me deu. Ele agora é um doce, compreende? Um doce! O melhor marido do mundo!

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Mais tarde, em casa, enquanto o marido dormia, Antonieta o olhava. Sentia saudade dos tempos em que ele fora carinhoso, amável, cortês, etc. Ameaçou passar as costas de sua mão no rosto dele, mas desistiu. Naquele momento teve medo de que o amor entre eles estivesse acabando. Nos dias subsequentes, a dúvida da possível traição só aumentava.

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Depois de alguns dias de martírio, Antonieta já não aguentava mais a indiferença do marido. “A indiferença é pior do que tudo!”. Criou coragem e resolveu tomar uma atitude. Naquela noite, quando o marido chegasse do trabalho, ia de uma vez por toda acabar com aquela dúvida cruel e perguntar inopinadamente se ele tinha outra. Todavia, quando o marido chegou do trabalho, parecia ter outro rosto. Com um sorriso estampado e olhos brilhantes ele olhava para Antonieta. E antes que a mulher pronunciasse qualquer palavra, o marido disse:

- Antonieta, meu amor. Trouxe uma lembrancinha para você.

Antonieta vasculhou a mente buscando se aquela data era um dia especial. Verificou e constatou que não se tratava de absolutamente nada. Aniversário dela, aniversário do casamento, data do primeiro beijo, enfim, nada! Era só mais um dia na vida terrena de cada um. O marido interrompeu o raciocínio dela:

- E então, meu amor. Não vai querer?

Antonieta voltou à realidade.

- Sim, sim. Quero. O que é?

O esposo abriu uma caixinha envolta de um felposo veludo azul marinho. Dentro havia uma colar de ouro brilhante como os raios de sol nordestinos do meio dia. Ele com um sorriso incansável esperava uma reação da mulher. Antonieta balbuciou:

- Mas hoje não é nenhum dia especial.

- E daí? É só um presente que queria te dar.

- Mas assim, sem mais nem menos?

Ele foi enfático:

- Sim. Você merece!

Antonieta pôs o rosto do marido entre suas mãos e o beijou como na lua de mel. Suas lágrimas salgavam o beijo que parecia eterno. O marido foi para o banho e Antonieta correu para o telefone. Discou para a vizinha amiga.

- Amiga! – sua fala era entusiasmada, porém se segurava para não falar tão alto, não queria que o marido a ouvisse – estou tão feliz!

- O que há, Antonieta?

E ela com um rosto transfigurado de alegria e em meio a lágrimas de felicidade, gemia aquelas palavras com um prazer quase orgásmico:

- Me trai, compreendeu? Ele me trai!

Moisés Couto

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