- Me trai!
Era o que Antonieta dizia a
si, em meio tom, enquanto deslizava a esponja úmida no prato sujo. Nos últimos
dias, seu marido mudara de comportamento. Frio e rígido como uma pedra de gelo,
ele não dirigia mais palavras de carinhos à esposa, na verdade, ele diminuiu
muito o tempo de qualquer simples conversa com a mulher. Ela, que esbanja uma feminilidade extrema,
percebera bem a mudança do esposo. Resolveu desabafar com a vizinha e melhor
amiga:
- Ele me trai! Eu sei que me
trai.
Antonieta deixava escorrer
uma lágrima que traçava em seu rosto macio um caminho triste do olho até seu lábio
inferior trêmulo. Mas a vizinha se dispôs a consolá-la.
- Amiga, que mal há? Pois
fique sabendo que eu descobri há algum tempo que meu esposo me trai e, de lá
pra cá, minha vida melhorou muito.
- Como assim?!
E a vizinha retrucava:
- Nunca ouvistes aquele
ditado: “Quanto mais infiel, melhor o marido”?
- Você só pode estar louca!
- Não, amiga. A infidelidade
só ajuda no matrimônio conjugal. É batata! Ouça bem, depois que descobri que meu
marido me trai, ele passou a ser um doce, compreende? Enche-me de presente, de
carinho, de afago. Nunca mais esqueceu meu aniversário. Digo mais, nunca
mais esqueceu nossa data de casamento. Acredita?
Antonieta ouvia a tudo
atônita. A vizinha continuou:
- Olha, tá vendo esse vestido?
- É lindo!
- É. Foi ele quem me deu.
Ele agora é um doce, compreende? Um doce! O melhor marido do mundo!
.
Mais tarde, em casa, enquanto
o marido dormia, Antonieta o olhava. Sentia saudade dos tempos em que ele fora
carinhoso, amável, cortês, etc. Ameaçou passar as costas de sua mão no rosto
dele, mas desistiu. Naquele momento teve medo de que o amor entre eles
estivesse acabando. Nos dias subsequentes, a dúvida da possível traição só
aumentava.
.
Depois de alguns dias de martírio,
Antonieta já não aguentava mais a indiferença do marido. “A indiferença é pior do que tudo!”. Criou coragem e resolveu tomar
uma atitude. Naquela noite, quando o marido chegasse do trabalho, ia de uma vez
por toda acabar com aquela dúvida cruel e perguntar inopinadamente se ele tinha
outra. Todavia, quando o marido chegou do trabalho, parecia ter outro rosto.
Com um sorriso estampado e olhos brilhantes ele olhava para Antonieta. E antes
que a mulher pronunciasse qualquer palavra, o marido disse:
- Antonieta, meu amor.
Trouxe uma lembrancinha para você.
Antonieta vasculhou a mente
buscando se aquela data era um dia especial. Verificou e constatou que não se
tratava de absolutamente nada. Aniversário dela, aniversário do casamento, data
do primeiro beijo, enfim, nada! Era só mais um dia na vida terrena de cada um. O
marido interrompeu o raciocínio dela:
- E então, meu amor. Não vai
querer?
Antonieta voltou à
realidade.
- Sim, sim. Quero. O que é?
O esposo abriu uma caixinha envolta de um felposo veludo azul marinho. Dentro havia uma colar de ouro brilhante como os raios de sol nordestinos do meio dia. Ele com um sorriso
incansável esperava uma reação da mulher. Antonieta balbuciou:
- Mas hoje não é nenhum dia
especial.
- E daí? É só um presente
que queria te dar.
- Mas assim, sem mais nem
menos?
Ele foi enfático:
- Sim. Você merece!
Antonieta pôs o rosto do
marido entre suas mãos e o beijou como na lua de mel. Suas lágrimas salgavam o
beijo que parecia eterno. O marido foi para o banho e Antonieta correu para o
telefone. Discou para a vizinha amiga.
- Amiga! – sua fala era
entusiasmada, porém se segurava para não falar tão alto, não queria que o
marido a ouvisse – estou tão feliz!
- O que há, Antonieta?
E ela com um rosto transfigurado
de alegria e em meio a lágrimas de felicidade, gemia aquelas palavras com um
prazer quase orgásmico:
- Me trai, compreendeu? Ele
me trai!
Moisés Couto
Boa, velho!
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