sábado, 15 de dezembro de 2012

A VIÚVA RODRIGUEANA


O marido crispava-se no leito de morte. Sentia que aquelas batidas do coração descompassadas e cada vez mais lentas eram os últimos sinais de vida. Sua mulher agarrava sua mão com força, como se aquilo pudesse segurar a vida que esvaía de seu corpo pálido e rígido. Ele morreu lamentando-se do que não fizera com a premissa de deixar para depois. No último sopro de vida, inclinou a cabeça em direção à esposa e, com um olhar rútilo, viu a silhueta da mulher, a quem por mais da metade da vida dedicou seu amor único e ululante, desaparecer lentamente.

.

Depois de todo o cerimonial fúnebre, ao chegar a casa uma amiga fogosa tratou de consolar a viúva:

- Percebeste como os homens te olham?

- Do que você está falando?

-Tu sabes o quanto os homens te desejam? És linda. Até no velório eu percebi que os homens olhavam diferente pra você.

- Por tudo que é mais sagrado, Carminha! Tu não tens vergonha? Meu marido, meu homem, meu amor está morto. Nunca mais vou amar, compreende? Nunca mais!

- Mas você precisa de alguém pra cuidar de ti. Toda mulher precisa de um amor. Quando um se vai, outros chegam. Isso é a lei da vida. É batata!

- Não preciso mais de homem nenhum. Eu mereço sofrer, porque meu amor morreu. Dentro de mim não há mais amor, nem nunca mais haverá. De uma vez por toda, não fale mais disso. Eu morri junto com meu marido!

.

Durante dois dias, a viúva carregou consigo o fardo da perda. Sentia um peso em cima de seus ombros que de repente escorria por todo o seu corpo até as plantas dos pés. Sentia nojo de seu próprio corpo. Nojo de carregar consigo o seu corpo de mulher desejável, desenhado por curvas que despertavam os olhares cobiçosos de qualquer homem são. Nojo de carregar suas partes íntimas que um dia a fizera sentir prazer. Sofria por ter tido prazer um dia na vida. Chorava todo o tempo e, para si, chorar era um alívio. Seus olhos já estavam secos, não havia mais lágrimas para lamentar a perda do amor de sua vida.

.

Mas eis o que quero dizer: Quarenta e oito horas depois, em uma manhã de domingo ela acordou mais viva. O peso que outrora não a deixava levantar da cama sumiu. Colocou um vestido preto que ainda lhe caracterizava como viúva, no entanto, era mais curto, decotado e rente ao seu corpo o que ressaltava suas belas curvas. Saiu nas ruas e não havia mais receio de si. Sentiu-se bem em perceber que despertava o desejo masculino e a inveja feminina. Atraía desde o tarado promíscuo das esquinas até o casto que se ruboriza com um olhar feminino.  

- Que o dia seja tão belo quanto a dama!

E literalmente tiravam o chapéu em reverência a beleza da viúva.

Passou num mercado e pediu que levassem o leite até a sua casa:

- Seu Manoel, por favor, peça para alguém levar um leite bem gelado até a minha casa. Muito bem gelado, compreendeu? Porque o calor de hoje está de derreter catedrais.

.

Alguns minutos mais tarde, bate a sua porta o entregador do mercadinho. Um moço forte e viril. A viúva não conseguia disfarçar seu olhar que ia dos pés a cabeça do moço, despertando em si a libido adormecida. Não resistiu muito tempo e logo se entregou aos prazeres carnais com o entregador de mercadoria. Pela janela, Carminha, a amiga fogosa, via a viúva roçando os lábios com o homem másculo, gozando das tentações lascivas.

Uma velha gorda que vinha da feira carregando uma sacolinha amarela com ração para peixe, viu a obscenidade na janela e reprimiu com veemência:

- Acabou de perder o marido e já está fazendo bandalheira sem um mínimo de pudor!

E fez uma careta que conseguiu deixa-la ainda mais feia.

- Querida – Carminha respondeu com uma voz mansa e irredutível - A dor da viuvez dura quarenta e oito horas, compreendeu? Fugazes quarenta e oito horas!

Moisés Couto

Nenhum comentário:

Postar um comentário