O marido crispava-se no
leito de morte. Sentia que aquelas batidas do coração descompassadas e cada vez mais lentas eram os últimos sinais de vida. Sua mulher agarrava sua mão com força,
como se aquilo pudesse segurar a vida que esvaía de seu corpo pálido e rígido.
Ele morreu lamentando-se do que não fizera com a premissa de deixar para
depois. No último sopro de vida, inclinou a cabeça em direção à esposa e, com um
olhar rútilo, viu a silhueta da mulher, a quem por mais da metade da vida
dedicou seu amor único e ululante, desaparecer lentamente.
.
Depois de todo o cerimonial fúnebre, ao chegar a casa uma amiga
fogosa tratou de consolar a viúva:
- Percebeste como os homens
te olham?
- Do que você está falando?
-Tu sabes o quanto os homens te desejam? És linda. Até no velório eu percebi que os homens olhavam diferente
pra você.
- Por tudo que é mais
sagrado, Carminha! Tu não tens vergonha? Meu marido, meu homem, meu amor está
morto. Nunca mais vou amar, compreende? Nunca mais!
- Mas você precisa de alguém
pra cuidar de ti. Toda mulher precisa de um amor. Quando um se vai, outros
chegam. Isso é a lei da vida. É batata!
- Não preciso mais de homem
nenhum. Eu mereço sofrer, porque meu amor morreu. Dentro de mim não há mais
amor, nem nunca mais haverá. De uma vez por toda, não fale mais disso. Eu morri junto com meu
marido!
.
Durante dois dias, a viúva
carregou consigo o fardo da perda. Sentia um peso em cima de seus ombros que de
repente escorria por todo o seu corpo até as plantas dos pés. Sentia nojo de
seu próprio corpo. Nojo de carregar consigo o seu corpo de mulher desejável,
desenhado por curvas que despertavam os olhares cobiçosos de qualquer homem são.
Nojo de carregar suas partes íntimas que um dia a fizera sentir prazer. Sofria
por ter tido prazer um dia na vida. Chorava todo o tempo e, para si, chorar era um
alívio. Seus olhos já estavam secos, não havia mais lágrimas para
lamentar a perda do amor de sua vida.
.
Mas eis o que quero dizer: Quarenta
e oito horas depois, em uma manhã de domingo ela acordou mais viva. O peso que
outrora não a deixava levantar da cama sumiu. Colocou um vestido preto que
ainda lhe caracterizava como viúva, no entanto, era mais curto, decotado e
rente ao seu corpo o que ressaltava suas belas curvas. Saiu nas ruas e não havia
mais receio de si. Sentiu-se bem em perceber que despertava o desejo masculino e a inveja feminina. Atraía desde o tarado promíscuo das esquinas até o casto que se ruboriza com um olhar
feminino.
- Que o dia seja tão belo
quanto a dama!
E literalmente tiravam o
chapéu em reverência a beleza da viúva.
Passou num mercado e pediu
que levassem o leite até a sua casa:
- Seu Manoel, por favor,
peça para alguém levar um leite bem gelado até a minha casa. Muito bem gelado,
compreendeu? Porque o calor de hoje está de derreter catedrais.
.
Alguns minutos mais tarde,
bate a sua porta o entregador do mercadinho. Um moço forte e viril. A viúva não conseguia
disfarçar seu olhar que ia dos pés a cabeça do moço, despertando em si a libido
adormecida. Não resistiu muito tempo e logo se entregou aos prazeres carnais
com o entregador de mercadoria. Pela janela, Carminha, a amiga fogosa, via a viúva roçando os lábios
com o homem másculo, gozando das tentações lascivas.
Uma velha gorda que vinha da
feira carregando uma sacolinha amarela com ração para peixe, viu a obscenidade na
janela e reprimiu com veemência:
- Acabou de perder o marido
e já está fazendo bandalheira sem um mínimo de pudor!
E fez uma careta que conseguiu
deixa-la ainda mais feia.
- Querida – Carminha respondeu
com uma voz mansa e irredutível - A dor da viuvez dura quarenta e oito horas, compreendeu?
Fugazes quarenta e oito horas!
Moisés Couto
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