segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

INFORTÚNIO

Agenor era mais conhecido como Caipora. Ele tinha esse apelido colocado por Aurélio, amigo professor de Português, não por que fumava demais, ou tinha os pés tortos, mas porque era azarado e, segundo Aurélio, o apelido também tinha esse significado. Caipora era um homem viciado em jogo, toda semana ele se dirigia à casa lotérica e fazia sua fezinha, sem falar nas embalagens de caixa de leite que mandava para os correios e no jogo do bicho. Nunca casou e morava com seus pais e seu único irmão que reclamavam com ele diariamente em virtude dos jogos, o vício era tanto que Caipora não trabalhava, pedia dinheiro aos pais e dizia que não precisaria trabalhar, pois no dia em que a mega-sena fosse sua, iria usufruir de tamanha dinheirama pelo resto da vida, porém ele nunca ganhava nada. O dia que chegou mais pertou de ganhar alguma coisa foi um kit higiene na bodega do Bartimeu contendo uma unidade de xampu, sabonete e creme dental, mas ele foi o comprador 99 e não o de número 100, ainda tentou reivindicar com o Bartimeu, mas Caipora foi contido pelos outros, não tinha razão. O fim de ano chegou a mega-sena da virada também e, dessa vez, Caipora estava mais confiante do que os outros anos, ele sonhou  que ganharia tudo sozinho, estava certo, a mega-sena que ia pagar o maior prêmio já visto em toda a história, seria dele. Gastou seus dez reais e jogou nos mesmos número de sempre. Chegado o dia do sorteio acordou cedinho, vestiu sua cueca da sorte, investiu no avestruz no jogo do bicho e foi em busca do bilhete de seu jogo da mega-sena. Ai começou o problema, Caipora não encontrou seu bilhete da vitória. E chamou a mãe acusando-a: “Mãe, sua ladra! Devolva meu bilhete!” Ela não tinha visto, mas Caipora estava cego pelo prêmio que tinha certeza que seria dele. Pediu para olhar dentro da bolsa dela, mas a mãe não gostou daquela ideia de invasão de privacidade, Caipora não pensou duas vezes pegou um facão e enfiou no peito da mãe. Enquanto verificava todos os compartimentos da bolsa de sua mãe, seu pai aparece, e sem ver a esposa morta, perguntou ao filho o que fazia. Caipora, perturbado, retrucou perguntando-lhe pelo seu bilhete. Seu pai não sabia onde estava, Caipora era só ódio e aflição e com o facão ainda melado de sangue da mãe enfiou no pescoço do pai sem dó. Caipora estava fora de si, o fato de ter sonhado que iria ganhar tudo sozinho desnorteou suas convicções. Seu irmão mais novo surgiu e ficou aterrorizado ao ver os corpos dos pais no chão e perguntou o que havia ocorrido, Caipora não respondeu, apenas replicou-lhe indagando onde estava seu bilhete, o irmão não respondeu, Caipora pensou: “Ele sabe!” e insistiu na pergunta, mas o irmão não dava-lhe atenção, estava transtornado com aquela imagem. Caipora enquanto falava: “Você não vai ganhar meu dinheiro” enfiou o facão no estômago do irmão. Depois de algumas hora de procura e três corpos no chão, Caipora achou seu bilhete, estava debaixo de sua cama, ninguém tinha pegado, ele havia perdido por si só, talvez caísse do seu bolso sem sua anuência. Ele não estava arrependido, pensou que com o dinheiro que iria ganhar fugiria e seria feliz. É chegada a hora do sorteio da mega-sena, Caipora liga o rádio e sorrir jocosamente, era a hora dele se tornar milionário, mas quando as bolas foram sorteadas, ele não acertou um número sequer. Agora sim, o constrangimento e a compunção atingiu seu coração. O que houve foi que Caipora ficou embriagado pela dinheirama que achou que ia ganhar, fez todo aquele massacre com seus entes queridos, mas não viu nem a cor do dinheiro. Caipora não aguentou o arrependimento que assolava seu coração e sem dó de si cortou seus pulsos com o mesmo facão que matou sua família, já estava decidido a deixar-se sangrar até a morte e pedir perdão aos seus pais e irmão quando os encontrasse em outra vida. Quando já estava ficando pálido lembrou-se: “O bicho já foi sorteado!” E então, Caipora usou as últimas forças que tinha, enrolou duas camisas do pai nos pulsos sangrentos e foi correndo até a banca do jogo do bicho. Chegando à banca, o bicheiro, outro viciado em jogo, nem perguntou o porquê daquilo enrolado nos braços e com sorriso empolgante gritou: “Chegou a sua vez, Caipora, saiu avestruz! Chegou seu dia! Você ganhou no jogo do bicho!” Caipora sorriu de orelha á orelha, ele sabia que iria ganhar algo naquele dia. Tomou seus trinta e dois reais da mão do bicheiro, beijou-lhes com a convicção de que eram a última coisa que restou da sua vida. Nem deu tempo a polícia chegar, o sangue dos pulsos se esvaiu demais, Caipora morreu com sua merreca muito bem segura na mão direita e com a alegria de ter ganhado pela primeira vez em algum jogo dos tantos que jogou. Morreu, mas morreu ganhando e feliz!

Moisés C. CouTo

3 comentários: