segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

APROVEITE OS SONHOS

Roberval, homem de meia idade, nunca casou e morava sozinho desde a morte do pai viúvo 10 anos antes. Sempre dormia bem, que nem uma pedra, até que no meio de uma noite acordou assustado, algo raro, eram 2:47 da manhã, bexiga cheia e boca seca. Levantou-se foi ao banheiro, apertou o interruptor e a luz acendeu depois de um estalo. Fazia força para urinar e, devido a isso, liberava estrondosas flatulências que se potencializavam em virtude do silêncio da madrugada. Foi à cozinha, abriu a geladeira, apelidada de coco por ele mesmo, pois só havia água dentro e enquanto bebia água fria, olhou pra trás e viu seu tio avô que morrera havia 27 anos, ficou pálido, saiu correndo gritando e derrubando o criado mudo. Deitou-se na cama e foi pra debaixo dos cobertores como se eles lhe protegessem de alguma coisa.  Aquilo o deixou traumatizado e acordar no meio da madrugada se tornou uma constante. Todas as noites ele acordava e via pessoas passeando em sua casa, impossível, pois morava só. Gente morta, gente viva, pessoas que não encontrava havia tempos, todos atrás de conversa com o isolado e sorumbático Roberval. Até que certo dia, depois da rotina habitual de urinar enquanto liberava gases, foi à cozinha e enquanto degustava sua saborosa água mineral viu sua vizinha, vinte anos mais nova que ele, só de camisola transparente, e com os bicos dos seios encarando-o, olho a olho. Ele não aguentava mais aquela rotina fantasmagórica. Olhou nos olhos do rosto (dessa vez) da moça e ordenou que ela saísse e que avisasse aos outros seres imaginários de sua cabeça que nunca mais fossem visitar sua casa. A moça saiu correndo assustadíssima com a declaração do, agora, maluco e misantropo Roberval e não mais do coroa enxuto e sensual  que ela pensava. Derrubou tudo o que via pela frente, até o porta-retratos do falecido pai de Roberval o qual ele já tinha visto duas vezes tomando café em sua cozinha que mal água tinha. Quando a moça não conseguiu pular o muro de volta pra sua casa é que Roberval percebeu o que tinha feito. Nem a moça, nem ninguém, nem mais nenhum ser imaginário visitava sua casa e Roberval voltou a ser o homem solitário de sempre, e o que mais martelava sua cabeça é que quando tivesse oportunidade nunca deixaria de aproveitar um sonho, uma visão esquizofrênica ou a realidade, mesmo que ela pareça irreal, porém nunca mais Roberval teve uma oportunidade como aquela.

Moisés C. CouTo

3 comentários:

  1. Tadinho do Roberval..

    P.S.: A geladeira me é familiar!=D

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  2. Dispensar oportunidades é vacilo, ainda mais pra quem só tem água na geladeira...

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